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Menina deixa de falar de um dia para o outro devido a doença rara que só afeta três crianças em Portugal

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Em 2015, Catarina Martins, de quatro anos, deixou de conseguir falar de um momento para o outro, tendo-se tornado agressiva. Depois do desespero dos pais e de uma centena de testes, descobriu-se que a criança, até então “meiga e sociável”, tinha síndrome de Landau-Kleffner, uma doença rara que afeta apenas três crianças em Portugal.

Segundo um artigo da Sábado, divulgado na quinta-feira, foi depois do verão de 2015 que a “vida da menina e dos pais mudou radicalmente”. Descobriram, depois de várias crises da filha, de consultas em diferentes especialistas e de exames específicos, que esta tinha Landau-Kleffner, um tipo de epilepsia rara que afeta o cérebro durante a noite.

“Começou a fazer birras agressivas, tentávamos falar com ela, mas ela não nos ouvia”, recordou a mãe, Rute Martins. Os pais tentaram explicar o comportamento da filha com o mês de férias que a família tinha passado em Paredes de Coura, em Viana do Castelo, pensando que “talvez a atenção mimara a menina”.

Contudo, a situação foi-se complicando com o decorrer dos dias. “Ela não conseguia descansar. Adormecia às 21:00 e acordava às 02:00 da manhã sem sono, a pedir para ver televisão.” Catarina Martins também deixou de fazer as sestas à tarde, na escola. “Lutava muito contra o sono”, frisou a mãe, auxiliar de ação médica num serviço de pediatria.

Depois de um primeiro diagnóstico, em que o médico diagnosticou um défice auditivo e pediu mais exames, Catarina deixou de falar. Um dia “adormeceu e no dia seguinte deixou de falar. Tentava articular as palavras e não conseguia”, disse Rute Martins, contando que a frustração da menina despoletava crises violentas.

Durante dois meses, a menina não conseguiu comunicar com os pais, nem com o irmão mais velho: “ficava frustrada por ninguém a compreender, por não conseguir falar. Ela que já estava a aprender inglês”, acrescentou a mãe.

Em setembro, os médicos tentaram realizar um eletroencefalograma, mas Catarina estava demasiado inquieta. Foi na segunda tentativa, juntamente com uma ressonância magnética que fez depois, que confirmaram as suspeitas do neuropediatra José Carlos Ferreira: síndrome de Landau-Kleffner.

“A síndrome de Landau-Kleffner manifesta-se por uma dificuldade na linguagem que se instala de forma mais ou menos rápida em dias ou semanas, numa criança entre os três e os oito anos com um desenvolvimento normal ou quase normal até essa altura”, explicou à Sábado o neuropediatra. Esta doença rara afeta o desenvolvimento do cérebro.

De acordo com o especialista, a patologia leva a que a criança deixe de conseguir falar como antes e até de conseguir entender o que ouve. “Não há um problema de audição, mas parece que fica ‘surda para as palavras’. Algumas destas crianças têm crises epiléticas e estas tanto podem ocorrer antes como depois de se notar a regressão da linguagem. Com o tempo, podem associar-se irritabilidade e hiperatividade”.

Esta é “uma forma rara de epilepsia das crianças. As causas não são conhecidas, mas não é de excluir a importância de fatores genéticos. Esta é uma área de ativa investigação científica atual”, indicou o neuropediatra.

O tratamento pode ter várias abordagens. No caso da Catarina, passou a tomar medicamentos para a epilepsia e para a hiperatividade, de forma a controlar a atividade elétrica anormal do cérebro, medicação que foi ajustada depois de uma crise grave.

“Em alguns casos pode ser necessário recorrer a uma dieta cetogénica, que consiste em substituir a maior parte dos hidratos de carbono por gorduras e tem um efeito antiepilético. Noutros casos mais selecionados pode vir a ser útil uma cirurgia”, informou o especialista.

E mais: “é muito importante a reeducação da linguagem por terapia da fala, a adaptação das estratégias pedagógicas às dificuldades da criança por parte da escola e o eventual tratamento da hiperatividade e das modificações comportamentais”.

A vida mudou. Catarina mudou de escola – onde andava desde os seis meses – por não conseguir comunicar com os amigos. Ingressou na Escola Básica Integrada da Quinta de Marrocos, em Lisboa, frequentada por crianças surdas-mudas, e, em outubro, começou a aprender linguagem gestual e a ser acompanhada por uma psicóloga. Os pais também aprenderam linguagem gestual.

Ao fim de oito meses, em maio de 2016, voltou a emitir alguns sons. “Foi uns dias antes de fazer anos. A primeira a palavra que disse foi ‘pai’.” Catarina foi recuperando e contou aos pais tudo o que se lembrava dos ataques. “Ela recorda-se de tudo, até quando me mordeu e quando se virava contra os técnicos no hospital”.

Agora com oito anos, está no segundo ano do ensino básico, ainda na escola integrada da Quinta dos Marrocos, continua a fazer terapia da fala todos os dias e deixou de tomar a medicação para a epilepsia.

A recuperação varia de caso para caso. “Em regra, as crises epiléticas e as alterações no eletroencefalograma desaparecem com o tempo e com o tratamento. Alguma recuperação pelo menos parcial da linguagem é também esperada e muitas crianças têm uma evolução favorável, alcançando um desempenho que não se distingue do que têm as crianças saudáveis”, disse ainda à Sábado o neuropediatra José Carlos Ferreira.

“No entanto, um número significativo mantém dificuldades ligeiras ou acentuadas ao nível da expressão ou da compreensão da linguagem que persistem na idade adulta de forma permanente”, continuou.

TP, ZAP //

1 Comment

  1. Bom dia.

    O correcto/correto é usar o termo Lingua Gestual. Linguagem não se aplica neste caso, pois trata-se de facto de uma Língua, tal como é a lingua portuguesa e a inglesa, etc.

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