O chamado “Arquivo de Salazar” que inclui objectos pessoais, vai ser digitalizado e disponibilizado ao público na Internet.
Está prevista a digitalização de 1,2 milhões de imagens do “Arquivo de Salazar” que é composto por 1.177 caixas, dois ficheiros e um armário de gavetas com objectos pessoais.
A iniciativa do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) vai ser realizada no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), financiado pela União Europeia, e será concluída até 2026.
O director da ANTT, Silvestre Lacerda, nota à agência Lusa que é prioridade da Torre do Tombo “a digitalização do arquivo de Salazar e a sua disponibilização ao público, com um catálogo parcialmente na Internet, em complemento com [a inventariação] actualmente existente em papel” e que foi “publicado pela Editorial Estampa em 1992”.
O arquivo do presidente do Conselho da ditadura do Estado Novo estava inicialmente na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Mas em 1991, foi determinada a sua transferência para as novas instalações da Torre do Tombo, onde foi incorporado a 17 de Janeiro de 1992.
Este arquivo “bastante grande” ocupa cerca de 460 metros de documentação, e é o terceiro mais procurado, suplantado apenas pelo “Arquivo da Inquisição“, que continua a ser o mais consultado.
O segundo arquivo mais requisitado é o da polícia política da ditadura, a PIDE/DGS, criada por Salazar em 1933.
“A letra de Salazar é horrível”
Os “Diários” de Salazar estão integralmente transcritos depois de um trabalho de dez anos de Madalena Garcia, antiga sub-diretora do ANTT. Em 2021, foi publicado em ‘ebook’, pela Porto Editora, que é gratuitamente disponibilizado na sala de referência da Torre do Tombo, em Lisboa.
“A letra de Salazar é horrível”, refere o director da Torre do Tombo, e não é fácil ler o manuscrito. Mas estes “Diários” têm “uma coisa interessantíssima, que não é vulgar neste tipo de trabalhos, que são os índices pormenorizados”.
O acervo dá assim “um conjunto grande de informações do quotidiano [de Salazar]: quem recebia e quantas vezes era nomeado; ficamos a saber que todos os domingos jantava com o médico Bissaya Barreto, os livros que lia, etc.”, prossegue Silvestre Lacerda.
“Ele próprio deu conta que estava a escrever para a História“, sublinha à Lusa.
“Dizer que Portugal foi sempre neutral, é um mito”
Estes “Diários” – muitas vezes também designados de “Agendas” – têm o dia e hora em que recebia as pessoas e os assuntos que tratou.
“Por exemplo, ficamos a saber que Salazar recebeu, na véspera do levantamento militar que deu origem à Guerra Civil espanhola [1936-1939], o general José Sanjurjo [1872-1936] que liderou a intentona nacionalista e ao qual sucedeu o general Francisco Franco [1892-1975], que liderou os destinos do Estado Espanhol, autocraticamente, até 1975″, revela Silvestre Varela.
“No dia anterior, às três da tarde, salvo erro, Salazar recebeu Sanjurjo”, acrescenta.
“Fica assim demonstrado que Salazar estava ao corrente do que se iria passar e essa questão de se dizer que Portugal foi sempre neutral, é um mito”, assegura o director do ANTT.
Salazar presidiu o Governo da ditadura durante mais de 36 anos, de 1932 a 1968.
Assumiu a pasta das Finanças, pela primeira vez, em 1926, durante 15 dias, após o golpe militar de 28 de Maio, que pôs fim à I República.
Regressou às Finanças e ao Governo dois anos mais tarde, quando garantiu o controlo dos mecanismos do Estado, que não conseguira antes.
Em 1930, acumulou interinamente o cargo de ministro das Colónias, estabelecendo uma política colonizadora, centralizada em Lisboa, através de diversos diplomas de carácter económico, financeiro, político e administrativo, entre os quais o Acto Colonial, que veio a ser integrado na Constituição de 1933.
Este dispositivo legislativo assumia a “função histórica” de “possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar” as populações locais, que estratificava entre “civilizados, assimilados e indígenas”, sem lhes reconhecer a cidadania, e estabelecendo condições estritas para que a pudessem obter.
As leis da política colonial de Salazar, que se mantiveram em vigor até à década de 1960, enquadraram a prática de racismo, uma extensa discriminação social e cultural, e legitimaram uma economia baseada no trabalho forçado, recorrentemente denunciada por imprensa, agências e organizações internacionais.
ZAP // Lusa