Um ano após a regulamentação para a utilização de medicamentos à base de canábis ter sido publicada em Diário da República, os portugueses continuam a não ter acesso a produtos de canábis medicinal nas farmácias.
Quem o diz é a presidente do Observatório Português para a Canábis Medicinal (OPMC), Carla Dias, que fala, ouvida pela TSF, de um “processo muito burocrático e financeiramente inviável para muitas das empresas, que não é aliciante”.
A Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) trata das autorizações da colocação no mercado dos produtos. Segundo Carla Dias, “há algumas em curso, mas ainda não estão finalizadas”.
À TSF, Carla Dias disse que os doentes continuam a tomar extratos da planta através de compra online, mercado ilegal e autocultivo, temendo que as autoridades estejam a empurrar os doentes “para a ilegalidade, quando existe uma lei”.
A presidente do OPCM admite que “o mercado português é pequeno para estas empresas”, mas não aceita que doentes em fim de vida não possam ter acesso a produtos que podem melhorar sintomas. “Há pessoas com problemas oncológicos que, com canábis medicinal, podiam melhorar no alívio dos sintomas de quimioterapia. Estas pessoas estão a morrer. Há pessoas que estão em fim de vida e que podiam ser ajudadas. Ninguém pensa nestas pessoas”, lamenta.
O Observatório Português para a Canábis Medicinal pede ao Ministério da Saúde e à Infarmed que ajudem o processo a avançar. “A lei tem que sair do papel. O Ministério da Saúde era uma mais-valia, junto dos profissionais. E, claro, a Infarmed, que é a entidade reguladora do medicamento, era muito importante”, explica.
O OPCM acredita haja centenas de doentes em Portugal a usar medicamentos à base de canábis de forma terapêutica.
Cinco empresas cultivam canábis para fins medicinais
O Infarmed autorizou cinco empresas a cultivar, importar e exportar a planta da canábis para fins medicinais, numa área total de cultivo de 120 hectares.
Estão ainda em curso, em diversas fases, “vários pedidos de autorização para o exercício de diversas atividades, como o cultivo, fabrico, importação, exportação e distribuição por grosso”, adianta o Infarmed num balanço do primeiro ano da legalização do uso de canábis para fins medicinais.
Fazendo um ponto de situação do licenciamento de entidades e produtos no âmbito da nova legislação, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde adiantou que “atualmente encontram-se autorizadas cinco entidades para atividades de cultivo, importação e exportação da planta da canábis para fins medicinais, num total de área de cultivo autorizada de 120 hectares”.
Uma das empresas, a “Tilray Portugal”, tem certificado de Boas-Práticas de Fabrico, além da autorização para cultivo, importação e exportação na zona de Cantanhede e Reguengos de Monsaraz. As restantes empresas com autorização para cultivo, importação e exportação são a “Terra Verde”, em Alcochete, a “RPK Biopharma”, em Sintra e em Aljustrel, a “Sabores Púrpura”, em Tavira, e a “VF 1883 Pharmaceuticals”, em Benavente.
Relativamente a pedidos de autorização de colocação no mercado de preparações à base da planta da canábis para fins medicinais, o Infarmed refere que deram entrada dois pedidos, que se “encontram em avaliação“.
Em abril, a Autoridade do Medicamento criou o Gabinete da Canábis Para Fins Medicinais, com elementos de várias áreas, que tem estado a trabalhar de “uma forma construtiva com as empresas, associações de doentes, imprensa especializada e diversas entidades públicas”.
O Parlamento aprovou em julho de 2018 a lei que estabeleceu o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, nomeadamente a sua prescrição e a sua dispensa em farmácia. Toda a cadeia de produção, desde o cultivo da planta à sua preparação e distribuição, é conhecida e controlada, sendo possível garantir que os produtos são produzidos de acordo com todas as boas práticas e requisitos aplicáveis.
A utilização destes produtos depende da avaliação médica e a sua dispensa apenas pode ser realizada na farmácia com receita médica.
Entre as indicações para a utilização destes produtos estão a dor crónica associada a doenças oncológicas, epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, esclerose múltipla, náuseas e vómitos causados por quimioterapia, estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes em tratamento oncológico ou com sida.
ZAP // Lusa