Um novo perfil de migrantes tem chegado a Madrid nos últimos anos e mudado cada vez mais o panorama habitacional. Hoje, “o grande problema de Madrid é a habitação”, garante o autarca da capital espanhola.
A capital de Espanha é um dos destinos preferidos dos migrantes latino-americanos que procuram trabalho num país com o mesmo idioma que o seu.
Há muito tempo que a cidade recebe trabalhadores peruanos, equatorianos, colombianos e de outras nacionalidades que trabalham em áreas como o cuidado de idosos e doentes, construção civil e noutros setores que nem sempre conseguem empregados suficientes com a mão de obra local.
Espanha é, por exemplo, o país da União Europeia que mais acolhe refugiados venezuelanos.
No entanto, embora continuem a chegar migrantes com dificuldades financeiras, surgiu um novo perfil de migrantes latino-americanos nos últimos anos, com mais recursos.
“Quase todos os clientes que ajudamos a emigrar para Espanha são pessoas com altos rendimentos, que não têm necessidade de gerar rendimentos lá”, diz Alexandre Rangel, diretor-geral da Siespaña, empresa especializada em aconselhar estrangeiros que pretendem estabelecer-se em Espanha.
Na verdade, há alguns anos desembarcaram no país bilionários latino-americanos conhecidos — como o mexicano Carlos Slim, que adquiriu parte da FCC, gigante espanhola de infraestrutura e o banqueiro venezuelano Juan Carlos Escotet, que hoje controla o Abanca, um dos principais bancos do país.
Mas como aponta Nuria Vilanova, do Ceapi, associação de dirigentes de empresas ibero-americanas, “agora chegam investidores interessados em aplicações nas quais não é necessário tanto capital, e muitos estão a investir em aquisição de imóveis para alugar a turistas“.
Afinal, o que é que fez com que a antiga capital aninhada no seco planalto castelhano se tornasse tão atraente?
“É como estar em casa”
“A maioria dos que chegam pela primeira vez [a Madrid] valorizam a qualidade de vida, os serviços públicos, os restaurantes que abrem todos os dias, o transporte público e, acima de tudo, a tranquilidade de viver num país seguro, pois no seu viviam permanentemente ameaçados pelo crime”, explica Rangel.
Espanha e a sua capital oferecem também a possibilidade de proteger ativos ameaçados por decisões governamentais inesperadas ou pela turbulência monetária a que a América Latina está habituada numa moeda sólida como o euro.
Mas também há outros fatores, talvez mais intangíveis, como explica Eladio Duque, um dos muitos clientes que Rangel ajudou a emigrar.
“Vivi 12 anos em Miami e nunca me senti em casa; quando cheguei a Madrid senti-me em casa desde o primeiro dia“, confessa o venezuelano.
Eladio mudou-se para Miami quando Hugo Chávez governava a Venezuela. Criou uma empresa de decoração e conseguiu nacionalidade norte-americana, mas em 2022 apaixonou-se por Madrid. Agora administra o seu negócio em Miami à distância, no seu apartamento na área do Tribunal de Madrid. Para si, a capital espanhola é “a cidade mais maravilhosa do mundo.”
“Aqui as pessoas não me procuram pelo que tenho, mas pelo que sou”, diz o venezuelano, que em poucos meses poderá solicitar a cidadania, um processo muito mais rápido e fácil em Espanha do que nos EUA.
A lei espanhola permite que os cidadãos ibero-americanos solicitem a nacionalidade com apenas dois anos de residência legal no país — e o visto de residência também é mais fácil de obter do que nos EUA.
Além disso, para quem tem elevado poder de aquisição, há outros facilitismos, como a redução de 85% nas mensalidades nas universidades de Madrid para estudantes ibero-americanos, anunciada no final do ano pelo governo regional.
Segundo Vilanova, “Espanha está a desbancar os EUA como o lugar onde são criados os filhos dos líderes empresariais latino-americanos”, e as diferenças na política de migração dos dois países surgem como um dos motivos.
Rangel diz que a maioria dos seus clientes pensa primeiro em Miami porque tem família lá ou já a visitou em algum momento, “mas depois apercebem-se que na realidade os EUA fecharam as portas à migração legal“.
Embora existam delitos como furto de telemóvel e de carteiras — especialmente no centro da cidade e em locais turísticos muito concorridos — Madrid é geralmente considerada segura e a sua taxa de criminalidade é baixa.
A mexicana Carla Chanes diz que se mudou para Madrid porque vivia com medo de ser vítima de um crime na Cidade do México.
Carla vive com a sua família a cerca de 30 quilómetros de Madrid, no município histórico de Alcalá de Henares, conhecido por ser o local de nascimento de Miguel de Cervantes.
A sua filha estuda numa escola particular subsidiada pelo governo regional. Paga 40 euros por mês — muito menos do que gastaria num colégio particular no México.
“Aqui apercebemo-nos de que é possível viver gastando menos“, diz a mexicana, que vai sustentando a família com ajuda de poupanças. No início foi difícil mas, com o tempo, deu-se conta de que já não tinha medo de que alguém levasse o seu filho enquanto andava na rua. “A tranquilidade de viver num país seguro não tem preço”, afirma.
Mas se Carla sente que foi recebida em Madrid “de braços abertos”, alguns dos que já moravam ali começam a perceber que a metrópole está a tornar-se mais cara.
Arrendamento cada vez mais caro
Andrés Pradillo, porta-voz do Sindicato dos Inquilinos de Madrid, diz que o fenómeno dos estrangeiros que compram casas em Madrid está a crescer desproporcionalmente.
“Os arrendamentos aumentaram 60% desde 2015 e muitas famílias já têm de colocar mais de metade da sua renda na habitação”, diz Pradillo.
Mais de metade das casas vendidas em Espanha no ano passado foram pagas a pronto, o que, segundo Pradillo, indica que “são casas não para habitação, mas para especular e obter grandes rendimentos em zonas com rendas muito elevadas”.
Como resultado, “muitas pessoas em Madrid estão desiludidas por estarem a ser expulsas dos seus bairros” — e a ideia de que as autoridades devem regular os preços dos alugueres tem ganhado cada vez mais tração na política espanhola nos últimos anos.
O presidente da câmara, José Luis Martínez-Almeida Almeida, admite que “tal como em outras grandes cidades, o grande problema de Madrid é a habitação“, mas que, ao mesmo tempo, “a chegada de pessoas com capacidade de investir é uma boa oportunidade para a cidade”.
O presidente diz que vai vender terrenos públicos para que promotores construam habitações a preços acessíveis. “Nos próximos anos aumentaremos em quatro mil o número de casas disponíveis para alugar em Madrid”, garante.
Novos empreendimentos urbanos prometem 10,7 mil habitações com subsídio de 60% pelo governo, mas ainda não se sabe se serão suficientes para aliviar o défice habitacional.
// BBC