Macron decreta “o fim da abundância” (a preparar França para o pior?)

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Philippe Wojazer / EPA

Emmanuel Macron anunciou “o fim da abundância”, alertando os franceses para os “sacrifícios” exigidos pela “grande reviravolta no mundo”. Um discurso negro que alguns definem como uma “mudança espectacular de pé”.

As palavras de Macron antes do Conselho de Ministros que marcou a rentrée política em França, nesta quarta-feira, 24 de Agosto, apanharam quase todos de surpresa. O habitualmente optimista Macron traçou um quadro negro, anunciando “o fim da abundância” e da “imprudência”.

Em declarações perante os jornalistas, numa comunicação pouco habitual antes do Conselho de Ministros, o Presidente de França falou da “grande reviravolta no mundo” e de “uma série de crises umas mais graves do que as outras”.

Depois da covid-19, veio a guerra na Ucrânia, a inflação crescente, o aumento dos custos no sector energético e as tensões entre Pequim e Taiwan. Perante estas circunstâncias, Macron apelou à “unidade” nacional para fazer face aos tempos difíceis.

“Os nossos compatriotas podem reagir com muita ansiedade“, disse ainda, pedindo aos ministros para que abordem os assuntos públicos “com muita clareza e sem catastrofismo”. “É fácil prometer tudo e qualquer coisa, às vezes dizer tudo e qualquer coisa”, mas “não cedamos a essas tentações”, aconselhou ainda.

Do optimismo à inquietude em oito meses

Ainda há poucos meses, Macron se definia como “um optimista da vontade”, como recorda o Le Monde, salientando a atitude positiva do presidente no âmbito da recuperação no pós-pandemia de covid-19. “Cada crise atraía, aos seus olhos, a possibilidade de um ressalto“, vinca o jornal, frisando que esse “estado de espírito” parece ter “patinado” com o actual contexto internacional.

No editorial do Le Figaro, Yves Thréard relembra que nos seus “votos à nação”, a 31 de Dezembro passado, Macron sublinhava que estava “decididamente optimista” para este ano. Mas, oito meses depois, “pinta o futuro de preto”, vinca, falando de uma “mudança espectacular de pé”.

Já na semana passada, a propósito da guerra na Ucrânia, Macron tinha dito aos franceses que é preciso “pagar o preço” pela “liberdade” e pelos “nossos valores”, frisando que isso podia “exigir sacrifícios” e “esforços”.

Agora reforça o “fim da abundância” no acesso às matérias-primas e aos produtos que “nos pareciam perpetuamente disponíveis“. E também sublinha as crescentes dificuldades de acesso à água devido à crise climática que marca um ano de seca sem precedentes na Europa, com incêndios mais frequentes e complicados.

A preparar “redução das ajudas”?

O “brutal pessimismo presidencial” explica-se pelas crises “climática, energética, económica, geopolítica” que se “acumulam”, nota Yves Thréard, mencionando “uma época de crise sem fim” e um “cocktail explosivo” que pode “provocar uma violenta instabilidade social”.

Assim, alguns analistas acreditam que Macron está a prevenir os franceses para o pior e “a preparar o terreno para uma redução das ajudas no próximo Orçamento” de Estado, como se destaca no L´Opinion.

Mas a jornalista Corinne Lhaïk questiona ainda, num artigo de opinião na mesma publicação, se Macron não estará também a tentar “minimizar a sua relativa impotência na política doméstica“. No fundo, é uma espécie de contenção de danos antecipada, à espera das “balas” da contestação social.

Pelo meio, os partidos de esquerda aproveitam já para lançar críticas ao Presidente francês, como é o caso da deputada ecologista Sandrine Rousseau que, em declarações ao Euractiv France, aponta que “a sociedade da abundância só existiu para alguns”.

Sandrine Rousseau nota ainda que Macron também “parece querer mostrar” à população que “age e que está sensível às mudanças” necessárias para fazer face à crise climática. Contudo, acusa o Presidente francês de nada ter feito pelo ambiente durante o seu mandato. “Enquanto havia incêndios fazia jet-ski“, atira ainda.

Pelo meio surgem preocupações entre os franceses, nomeadamente com eventuais medidas drásticas em termos ambientais e de poupança de energia. E já se admite como muito provável que isso venha a reacender a chama dos “coletes amarelos” e dos protestos violentos nas ruas de França.

Do lado do Governo de Macron, o porta-voz do Conselho de Ministros, Olivier Véran, recusou a ideia de pessimismo, salientando que se tratou antes de um discurso de “honestidade e transparência”.

Véran também frisou que o objectivo do Presidente é promover “atitudes virtuosas” nos cidadãos franceses, nomeadamente no âmbito da poupança de energia.

No entorno do presidente fala-se, simplesmente, de um discurso “lúcido”, rejeitando qualquer mudança no tom de Macron. “O optimismo continua a ser a sua marca registada“, refere um dos seus conselheiros mais próximos citados pela Rádio France.

Susana Valente, ZAP //

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2 Comments

  1. Deslocalização do sector produtivo europeu para o oriente, desflorestação da Europa, dependência energética (nuclear, não, obrigado + carvão, não, obrigado…) foram opções tomadas e concretizadas que nos levaram a uma situação de extrema debilidade perante o conflito bélico, em curso.
    A curto prazo, essas opções são irreversíveis. Os meses de maior consumo energético estão aí, os cereais (consumo humano animal) quase a zero, fosfatos (adubos) para a sementeira/plantio de 2023, onde estão e a que preço?
    E a culpa é da guerra?
    Ainda por cima, uma seca terrível que, entre outros, minimiza a produção de energia…
    Gasoduto? Quantos meses para construí-lo? Construido, a Argélia vai continuar a fornecer? Quem garante?
    Princípio do fim da Europa?

  2. Isto significa que o copinho de leite vai frequentar menos festinhas devassadas? Sem dúvida, vai também tomar menos banhos! Os franceses também nunca foram conhecidos pela higiene …

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