O ex-juiz Rui Rangel vai ser julgado por corrupção e outros crimes, num total de 21 delitos, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça na sexta-feira. Também o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e o antigo presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, vão a julgamento.
Este ultimo é suspeito de ter viciado a distribuição de alguns processos para que fossem parar às mãos de determinados juízes, como lembrou o Público, que avançou que todos os 17 arguidos do processo que deu origem à Operação Lex irão a julgamento.
Enquanto exerceu funções no Tribunal da Relação de Lisboa como desembargador, Rui Rangel terá vendido a terceiros a sua influência em processos judiciais, proferindo decisões favoráveis a quem lhe pagava e influenciando decisões de outros magistrados.
Além disso, segundo o Ministério Público (MP) acumulou com a magistratura atividades que lhe estavam vedadas por lei por ser juiz, da angariação imobiliária à consultoria jurídica.
Entre 2012 e 2018, Rui Rangel habitou consecutivamente em três apartamentos em Lisboa. A renda do primeiro levava 75% do vencimento, que na altura não ultrapassava os 3100 euros, já o segundo tinha uma renda de 3500 euros. Junta-se a isso as prestações do BMW X6, os colégios dos filhos e outras despesas.
Segundo o Público, um almoço para 30 pessoas em Cascais custou-lhe perto de 19 mil euros. Outras despesas incluem um colchão com sommier e cabeceira comprado por 5200 euros e uma conta do El Corte Inglés de nove mil.
Para ficar com tempo livre para as atividades paralelas, entregou a elaboração de dezenas e dezenas de sentenças à sua mulher, a também juíza Fátima Galante, com quem já há muito não vivia.
Por forma a esconder a origem ilícita de muitos dos seus rendimentos, recorria quer às namoradas, a quem pagava muitas despesas, quer a amigos que lhe guardavam o dinheiro e lhe faziam pagamentos, por forma a que algumas das somas que lhe eram pagas pelos favores que concedia não passassem pelas suas contas bancárias.
Seria o caso do advogado José Santos Martins, que por seu turno recorreu a um filho e a um enteado para fazer circular o dinheiro sujo e para fazer pagamentos de despesas que eram de Rangel ou das suas namoradas.
O principal arguido da Operação Lex foi frequentemente agraciado pelo Benfica com convites para a bancada presidencial para assistir aos jogos e com viagens e estadia paga quando estes desafios se desenrolavam no estrangeiro.
Para o juiz conselheiro Sénio Alves, que remeteu os arguidos para julgamento, estas ofertas não eram feitas de forma desinteressada pelos então dirigentes do Benfica, por Vieira e pelo seu vice Fernando Tavares, mas sim por Rangel poder exercer a sua influência mesmo em tribunais onde nunca trabalhara, como o de Sintra.
Os convites e as viagens oferecidos a Rangel a partir de 2014 destinavam-se “a criar um clima de proximidade e permeabilidade”, concluiu o Supremo Tribunal de Justiça.
“A ver se aperto com o Rangel, a ver se a gente resolve aquela merda agora ou carago”, foi apanhado Vieira a dizer ao telefone ao Jorge Barroso, um advogado próximo de ambos, em 2017, altura em que sugeriu ao desembargador ir com ele ao Tribunal de Sintra.
Já o ex-presidente do Tribunal da Relação Vaz das Neves irá responder em tribunal pelos crimes de abuso de poder e corrupção passiva. Terá cedido aos pedidos de José Veiga para distribuir um processo em que estava envolvido a juízes com cuja benevolência sabia poder contar. Em causa uma fuga aos impostos devidos pela transferência do jogador João Vieira Pinto para o Sporting, em 2000.
Fátima Galante também irá a julgamento, sendo-lhe assacado um rol de nove crimes em cumplicidade com o magistrado, do abuso de poder à corrupção e à fraude fiscal, o mesmo sucedendo a outras duas companheiras do juiz, Bruna do Amaral e Rita Figueira.