Os negócios na Lourinhã normalmente têm a palavra “dino” no nome, e muitos logótipos mostram o desenho de um dos animais extintos. As placas de boas-vindas com dinossauros à entrada da cidade clarificam que a Lourinhã é a capital dos dinossauros em Portugal.
A descoberta recente em Portugal do que cientistas acreditam ter sido o maior predador que já viveu no continente europeu colocou mais uma vez em evidência uma pequena cidade conhecida como a “terra dos dinossauros”: a Lourinhã.
Também é o mais novo capítulo do verdadeiro “conto de fadas” que começou quando um rapaz de nove anos descobriu um enorme dente de dinossauro. Hoje, ele lidera um projecto de investigação cujas descobertas viraram manchete em todo o mundo.
Num laboratório repleto de fósseis, Octávio Mateus segura um dente, do tamanho de uma adaga, da nova espécie de dinossauro, bem parecido com o que encontrou quando era criança.
“Neste dente em forma de lâmina, podem ver-se claramente as serras – era um predador feroz”, explica Mateus. “Compare isso com os dentes do Tiranosauro Rex, que pareciam bananas – bem arredondados e adaptados para esmagar ossos – enquanto este foi feito para dilacerar carne.”
“Isso mostra duas estratégias diferentes de alimentação na evolução destes animais, mesmo que aparentemente eles sejam parecidos.”
Hoje, aos 38 anos, Mateus é professor na Universidade Nova, em Lisboa, onde leciona no primeiro curso superior de paleontologia do país.
Mas Octavio Mateus ainda passa muito tempo no Museu de Lourinhã, a 50 quilómetros ao norte da capital Lisboa, onde, há 30 anos, os pais o ajudaram a fundar o espaço, que hoje guarda várias descobertas arqueológicas e etnográficas.
Tesouro jurássico
Ironicamente, há recentemente a secção paleontológica do museu estava em segundo plano. Actualmente, foi expandida e atrai por ano cerca de 25 mil visitantes à cidade, que tem 7 mil habitantes.
A verdade é que a Lourinhã tem dois motivos para ser famosa. A área é uma das únicas três do mundo reconhecidas como produtoras de conhaque (as outras, mais famosas, são Cognac e Armagnac, ambas na França), e as suas rochas são, graças à sua geologia e acessibilidade, um tesouro de fósseis da era jurássica.
À medida que as descobertas se multiplicaram e a visibilidade do museu aumentou, os seus habitantes tornaram-se ainda mais orgulhosos da sua herança única.
Placas de boas-vindas à entrada da cidade mostram dinossauros. Os animais também estão presentes em muitos dos produtos vendidos na Lourinhã.
Os negócios na Lourinhã normalmente têm a palavra “dino” no nome, e muitos logótipos mostram o desenho de um dos animais extintos. Num café, há um enorme osso de uma perna de dinossauro, que faz de pilar, ao lado de um balcão de doces.
Há uma razão para tudo isto. O Museu da Lourinhã tem uma das mais importantes colecções do mundo de fósseis do período jurássico superior.
Lou-Octavia Morch, uma estudante de arte que está dividida entre especializar-se entre desenhos arqueológicos e paleontológicos, diz que a Lourinhã é ideal em ambos os casos. Isso graças às ruínas próximas de uma necrópole e a outros locais antigos, além de, é claro, os seus famosos fósseis.
“É inspirador”, diz Morch, enquanto desenha um crânio humano, como parte do período de dois meses que passará no museu. “Poderia ficar anos aqui.”
Assunto de família
A paleotologia na Lourinhã é um assunto de família. O pai de Octávio, Horácio, fundou o Museu da Lourinhã. O seu irmão Simão guia com entusiasmo os visitantes e recentemente terminou um mestrado em museologia. A irmã Marta também trabalha no Museu como voluntária.
Simão, que também escreve e ilustra livros infantis sobre dinossauros, forneceu os desenhos publicados no estudo mais recente de Octávio.
Os objectos relacionados com dinossauros em exibição no Museu vão desde esqueletos completos a um ninho fossilizado com dúzias de ovos. O ninho foi apenas uma das muitas descobertas feitas pela família Mateus nas suas expedições, que começaram quando Octávio ainda era bem pequeno.
“Nasci praticamente num ninho de dinossauro”, ele diz a brincar.
Poucas pessoas podem dizer que, quando crianças, escavaram tantos fósseis e descobriram espécies inteiras, como é o caso de Octávio Mateus.
Lourinhanosaurus
Um dos dinossauros que podem ser vistos no museu é o predador Lourinhanosaurus, identificado como uma nova espécie pelo próprio Mateus quando ainda estudava biologia na faculdade.
“A espécie recebeu o nome da cidade, o que para nós foi muito icónico”, diz Octávio.
Ao longo de sua carreira de pesquisa, Mateus não só continuou a fazer grandes descobertas em Portugal, como também encontrou os primeiros dinossauros de Angola e da Bulgária.
A sua última expedição foi à Gronelândia, como membro de uma equipa que descobriu fósseis de dois phytosaurus – grandes répteis semelhantes a crocodilos, mas da era triássica, há 200 milhões de anos.
Mas o Museu de Lourinhã, onde Mateus passa horas no seu laboratório preparando fósseis, é claramente um lugar especial para ele.
Nas seções paleontológicas está pendurado um grande crânio fossilizado de um dinossauro que ganhou o nome de Torvosaurus gurneyi graças a um estudo publicado por Mateus e um seu colaborador em Lisboa, Chritophe Hendrickx.
Sentido de comunidade
Para a cidade, as bestas extintas trouxeram fama e um forte sentido de comunidade.
“O museu dá uma identidade à Lourinhã”, diz Octavio. “As pessoas vêem-se a si mesmas nos dinossauros”.
O museu é um empreendimento comunitário, em que todos, do diretor à secretária, trabalham de graça, o que o torna auto-sustentável. O conselho da cidade financia um quinto do seu orçamento – o que parece ser um óptimo investimento.
“Não seria possível de qualquer outra forma ter o nome da cidade divulgado tão amplamente”, afirma Octávio. “O nosso conhaque é considerado um dos melhores do mundo, mas os dinossauros têm um grande impacto.”
ZAP // BBC