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Governo lança novas linhas para o futuro laboral. Teletrabalho sem acordo com empregador é uma delas

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António Pedro Santos / Lusa

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho

O Governo tem encontro marcado, esta quarta-feira, com sindicatos e patrões para lhes apresentar o Livro Verde para o Futuro do Trabalho. Uma das propostas mais sonantes é alargar o universo de trabalhadores que podem optar pelo teletrabalho, total ou parcial, sem que o empregador se possa opor. 

No documento, que conta com 21 destaques, o Executivo sublinha a necessidade de melhorar vários aspetos do trabalho em Portugal, dando grande destaque ao teletrabalho.

Segundo têm vindo a explicar os coordenadores científicos do documento, não estão, para já, desenhadas propostas concretas para alterar a legislação laboral, mas as reflexões agora apresentadas podem servir de base, mais à frente, a eventuais alterações legislativas.

Foi o que aconteceu com o Livro Verde das Relações Laborais, que acabou por dar origem à revisão do Código do Trabalho que entrou em vigor em 2019, recorda o ECO.

Além disso, o próprio Executivo tem sinalizado que irá avançar com uma regulação, após o debate destas reflexões, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho através de plataformas digitais.

Algumas das linhas-mestras da propostas passam pelo desenvolvimento de uma agenda de promoção do Trabalho Digno e Proteção Social Inclusiva ou pela aposta em áreas estratégicas e com potencial de crescimento do emprego.

Outros dos pontos de destaque passam pela necessidade de regulamentar a utilização de algoritmos e de inteligência artificial no quadro das relações de trabalho, alargar em grande escala as competências digitais e de literacia de dados relacionadas com a inteligência artificial ou promover a utilização de ferramentas desta.

A proteção de dados durante o recrutamento e a permanência no trabalho também é uma preocupação.

Tal como adequar o sistema de Segurança Social às novas formas de prestar trabalho, estimular a cobertura e o dinamismo da negociação coletiva, desenvolver um sistema de licenças associadas à formação dos trabalhadores e reforçar as competências e a capacidade inspetiva da ACT nos domínios das áreas digitais e do uso de dados.

Regulação do teletrabalho

De todas estas linhas-mestras para o futuro do trabalho em Portugal, é a regulação do teletrabalho a que terá maior destaque.

O Governo quer que mais trabalhadores tenham direito a optar pelo teletrabalho, independentemente do acordo do empregador.

Os autores defendem que a legislação deve “alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial”.

As situações em que o trabalhador pode optar pelo teletrabalho, independentemente de acordo com o empregador, devem ser alargadas e abranger a Administração Pública.

Os autores defendem que a legislação deve “alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial”.

Esta medida deve ter em conta situações “no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar” e “em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade”.

Até agora, o Governo ainda não avançou com propostas nesta área, indicando que só o fará após a apresentação do Livro Verde na Concertação Social, mas no parlamento o Bloco de Esquerda (BE) apresentou já um projeto com vista a alargar o teletrabalho a quem tem crianças menores de 12 anos a cargo.

De acordo com o documento enviado aos parceiros, a regulação do teletrabalho deve ser, no entanto, aprofundada “com salvaguarda dos princípios basilares do acordo entre empregador e trabalhador”.

Deve ainda ficar assegurado que “não existe acréscimo de custos para os trabalhadores” em teletrabalho, uma garantia também defendida no parlamento nas propostas do BE e do PCP, nomeadamente quanto aos gastos com telecomunicações, água e energia.

No Livro Verde é ainda proposta uma aposta “em modelos híbridos de trabalho presencial e à distância numa ótica de equilíbrio na promoção das oportunidades e mitigação dos riscos desta modalidade”.

É também defendido “efetivar e regular o direito à desconexão ou desligamento profissional para os teletrabalhadores” bem como “implementar instrumentos que garantam que o teletrabalho não penaliza especialmente as mulheres“.

Mais, o teletrabalho deve ser utilizado para promover a “fixação de postos de trabalho fora dos grandes centros urbanos, nomeadamente em regiões de menor densidade populacional”, refere.

De recordar que o Governo decidiu prorrogar até ao final do ano o diploma que estabelece a adoção obrigatória do teletrabalho, nas regiões mais afetadas pela pandemia, uma vez que se “perspetivam circunstâncias que originam necessariamente um maior contacto e um maior número de interações sociais, bem como um aumento de pessoas em circulação“.

Regular plataformas digitais e atrair nómadas

O Livro Verde aborda outros assuntos transversais do mundo laboral.

Sublinha que é necessário “reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres do gozo de licenças parentais e criar mecanismos de licença a tempo parcial no âmbito da promoção de uma melhor conciliação”.

Refere ainda que com as alterações na forma de prestação de trabalho será necessário adequar o sistema de Segurança Social para que todos os trabalhadores, “independentemente do respetivo vínculo jurídico”, sejam cobertos pelo sistema previdencial e tenham acesso a uma “proteção de níveis adequados”.

Segundo o Público, esta matéria está ligada a outra onde o Governo quer intervir: a regulação das condições de trabalho nas plataformas digitais (como a de estafetas que entregam produtos comprados através de aplicações como a Uber Eats ou a Glovo).

O documento entregue aos parceiros sociais ainda é vago, enunciando o objetivo de se criar “uma presunção de laboralidade para estes trabalhadores e um sistema contributivo e fiscal adaptado a esta nova realidade”.

Numa dimensão estratégica, o grupo de trabalho propõe que seja criada uma rede nacional de espaços de coworking e defende que Portugal se deve posicionar como um polo de atração de “nómadas digitais”, criando para estes trabalhadores um “enquadramento fiscal e um sistema de acesso à proteção social específico”.

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho será apresentado esta quarta-feira pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, e pelo secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, numa reunião da Concertação Social que se realiza por videoconferência.

O documento tem como coordenadores científicos Teresa Coelho Moreira e Guilherme Dray.

Ana Isabel Moura, ZAP // Lusa

8 Comments

  1. Fantástico…FP em teletrabalho e com internet e electricidade subsidiada. Tem tudo para dar certo…A produtividade e eficiência já de si altas vão atingir níveis estratosfericos. Isto é o mesmo que dizer que vai ser criada uma nova categoria de Jobs for the Boys domiciliária onde já nem têm de ir tomar café com os colegas ao escritório para ter o ordenado ao fim do mês. Bravo PS!

    • A seguir podemos por o Costa a gerir as empresas, ele que fique com as chaves de todas as empresas e depois que se desenrasque…

    • Isso já havia. Em muitas autarquias portuguesas havia “trabalhadores” que recebiam e ninguém sabia quem eram. E até tinham telemóvel. Nunca ninguém os viu por lá. Agora não sei como está. Mas aqui há uns 8 ou 10 anos isso era mato.

      • Sim, na verdade já ouvi muitas histórias dessas, a questão é que agora vai existir uma lei para “legitimar” a coisa.

  2. [Os autores defendem que a legislação deve “alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial”.

    Esta medida deve ter em conta situações “no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar” e “em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade”.]

    Fantástico, o empregador contracta e paga salário mas não tem direito de definir onde se trabalha, isto so vai gerar mais precariedade laborar e desigualdade, agora vai garantir-se que o trabalhador não tem deficiências nem família e vai manter-se em recibos verdes ou contrato porque se levanta a bola e informa que so vai trabalhar de casa, fica fácil de resolver por parte do empregador.

  3. “O Governo quer que mais trabalhadores tenham direito a optar pelo teletrabalho, independentemente do acordo do empregador.”

    Uiii… se bem conheço os portugueses vai ser uma balda… 🙂 “Oh chefe, estou em casa em teletrabalho” e nesse momento ouve-se o som das ondas na praia. 🙂

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