Justiça tem o maior orçamento de sempre em 2024. Caixão no parlamento assinala “morte dos registos”

Manuel de Almeida/Lusa

Caixão na escadaria de S. Bento simboliza a morte do setor dos Registos durante protesto do STRN e da ASCR

Aumento de 15,3% relativamente a 2023. Taxas de acesso à justiça também aumentam para “travar abusos”. Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) queixa-se das “doenças que estão a matar os registos”.

A ministra da Justiça salientou esta segunda-feira que o orçamento do setor para 2024 é o “mais elevado de sempre”, permitindo cumprir, entre outros desafios, a melhoria das infraestruturas da Justiça, com mais de 200 milhões de euros destinados.

Catarina Sarmento e Castro disse, no debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) no parlamento, que o orçamento do Ministério da Justiça é de 1,96 mil milhões de euros, o que “significa que há um aumento de 15,3% relativamente ao orçamento aprovado para 2023, e um aumento que se traduz em mais de 260 milhões de euros”.

“Este Orçamento reflete um crescimento de cerca de 45% face a 2015, e de 41% face ao valor aprovado em 2016, quando o atual primeiro-ministro, António Costa, assumiu funções”, disse a ministra, notando que “o crescimento global projetado desdobra-se em várias áreas”.

Taxas de acesso aumentam para “travar abusos”

A ministra admitiu ainda vir a aumentar algumas taxas de justiça, como forma de racionalização e gestão e “travar abusos”, tendo o PSD acusado a ministra de fazer o contrário do prometido pelo PS no programa eleitoral.

A deputada social-democrata Mónica Quintela questionou a ministra sobre a promessa eleitoral socialista de baixar taxas, citando a nota explicativa do OE2024 enviada ao parlamento, na qual se admitia a racionalização das mesmas, questionando ainda se o Governo se prepara para não cumprir a promessa eleitoral, aumentando taxas atualmente “desajustadas ao país empobrecido que temos” e “arredando os cidadãos dos tribunais”.

A ministra admitiu a intenção de uma “racionalização de custos”, sublinhando que há casos em que as taxas deverão “baixar onde for de baixar e se houver necessidade de travar o recurso excessivo a determinados mecanismos, ponderadas essas circunstâncias, poderá ser possível subir”, insistindo que eventuais subidas se dirigem a casos que “possam ser considerados de abuso”. “Será esta equipa governativa a fazer alteração a essa lei, de forma racional”, disse.

Reforço na PJ e nas prisões

A ministra precisou, por exemplo, que o orçamento da Polícia Judiciária (PJ), de mais de 262 milhões de euros, cresce 38,7%, com mais 73,1 milhões de euros e que o orçamento da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de mais de 350 milhões de euros, é reforçado em 57,7 milhões de euros, ou seja, em 19,7%.

A ministra considerou também “muito relevante” o crescimento de 12,1% das despesas com pessoal do Ministério da Justiça, dizendo tratar-se de um “indicador expressivo do reforço de recursos humanos, na PJ, nos serviços de Registos e Notariado, nos oficiais de justiça, na guarda prisional, na reinserção social”.

Quanto aos desafios colocados ao nível do edificado da Justiça apontou a aprovação do Plano Plurianual de Investimentos da Justiça 2023-2027 que, em cinco anos, “permitirá melhorar as infraestruturas da Justiça”.

Entre outros aspetos, referiu que o Plano Plurianual suportará intervenções em vários estabelecimentos prisionais e todos os centros educativos, bem como em instalações afetas à PJ e ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

“Um desses sinais objetivos foi a autorização das despesas relativas a construções no parque penitenciário tendo em vista o encerramento gradual do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL)”, disse a ministra, observando que as obras nos Estabelecimentos Prisionais de Tires, Linhó, Sintra e Alcoentre já estão em curso.

Catarina Sarmento e Castro destacou o reforço dos meios humanos, técnicos e operacionais da PJ, designadamente no combate à corrupção e na investigação criminal.

“Este reforço é o que também permitirá que, em breve, a PJ tenha em pleno funcionamento um laboratório de perícias digitais, bem como lhe possibilitará quadruplicar o número de profissionais dedicados a esta área”, frisou.

A ministra falou ainda da dotação orçamental para o Mecanismo Nacional Anticorrupção, da reforma da Lei Tutelar Educativa, da extensão dos Julgados de Paz e da instalação em Vila do Conde de um polo do Centro de Estudos Judiciários.

Mencionou também que o governo já aprovou o “primeiro pacote” legislativo da “Reforma da Justiça Administrativa”, que permite, por exemplo, dotar o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais dos meios necessários a uma gestão mais eficiente, mais célere e mais transparente.

Os novos serviços disponíveis nos Registos e Notariado e a preocupação do governo com as vítimas de crime e a proteção dos mais vulneráveis foram outros dos tópicos da intervenção da ministra.

“Já foi criado um grupo de trabalho, presidido pelo Ministério da Justiça, mas envolvendo várias áreas governativas, com vista à conceção da Primeira Estratégia para as Vítimas de Crimes: a Estratégia Nacional para os Direitos das Vítimas de crime 2024-2028”, lembrou Catarina Sarmento e Castro.

No âmbito da violência doméstica, a ministra indicou que o OE2024 inscreve uma verba de 4,5 milhões de euros, o que representa um acréscimo de 6% relativamente 2023, ou seja mais 255 mil euros.

Maior orçamento de sempre? “Não o vemos”

Pelo Chega, o deputado Pedro Pinto acusou a ministra de ter “caído de paraquedas” no Governo e de não ter feito nada para resolver os problemas do setor, questionando que soluções traz o OE2024 para a Justiça.

“Podemos ter o maior orçamento de sempre, mas não o vemos. Espero estar enganado”, disse, depois de a ministra ter respondido com o investimento previsto para 2024 em recursos humanos, edificado e meios tecnológicos.

Catarina Sarmento e Castro acusou Pedro Pinto de “andar distraído”, depois de este ter questionado sobre os meios no Instituto de Registos e Notariado (IRN), afirmando que estão a correr concursos para centenas de novos trabalhadores, acrescentando ainda que os 75 funcionários transitados do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) “é um número perfeitamente comportável” para as tarefas que terão que desempenhar.

Pedro Pinto recusou distrações suas ou dos sindicatos do setor, referindo o protesto do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e Notariado (STRN) na tarde de ontem frente ao parlamento, onde colocaram um caixão, símbolo da morte do setor, e as filas que se registam nos serviços para emissão de passaportes.

Caixão no parlamento: “morte do setor dos registos”

Um grupo de membros do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) colocou esta segunda-feira em frente ao parlamento um caixão para “simbolizar a morte do setor dos registos”, durante um protesto para exigir melhoria de condições de trabalho.

Os manifestantes, cerca de duas dezenas, colocaram na escadaria da Assembleia da República o caixão e um cartaz com a inscrição “as doenças que estão a matar os registos”, enumerando os vários problemas da classe, e outro onde se podia ler “ministra da Justiça e secretário de Estado da Justiça — os carrascos do setor da Justiça”.

O STRN aponta a falta de condições de trabalho e recursos humanos, a crise de saúde mental dos profissionais e as disparidades salariais como os principais problemas que o setor enfrenta.

O presidente do sindicato, Arménio Maximino, disse à Lusa, que a idade média dos trabalhadores é de 60 anos e que o défice de recursos humanos é superior a 34% do efetivo, o que tem vindo a colocar uma maior pressão nos funcionários dos registos, gerando um aumento de problemas de saúde mental.

“Uma grande parte dos funcionários dos registos sofre de ‘burnout‘ (esgotamento psicológico), o que afeta o seu desempenho laboral. É necessário fazer uma avaliação séria da saúde mental do setor”, afirmou Arménio Maximino.

O dirigente sindical denunciou também as disparidades salariais, apontando que há trabalhadores “com as mesmas competências a ganhar vencimentos completamente díspares, que podem chegar ao dobro de uns e outros. Chega-se ao absurdo jurídico de ter um dirigente a ganhar menos do que um dirigido”.

A necessidade de melhoria das condições de trabalho, face à desadequação das instalações, falta de materiais, ausência de climatização e falta de privacidade no atendimento aos clientes, são outros dos problemas na origem do protesto.

“Estamos a protestar pela falta de funcionários, as nossas carreiras pararam no tempo, os equipamentos estão obsoletos e há mais de 20 anos que não entra ninguém novo no serviço”, acrescentou o oficial de registos, Luís Soares.

A conservadora Fernanda Morais reiterou alguns dos problemas apontados pelo presidente do sindicato: “Não temos material em condições, temos falta de recursos humanos, temos muito serviço quer seja em termos de balcão, ou ‘online’ e portanto estamos numa luta diária de fazer o máximo com o mínimo”.

Arménio Maximino expressou ainda descontentamento face à falta de investimento do governo no setor, condenando a ausência de medidas no Orçamento do Estado para 2024.

“Este setor arrecada 600 milhões de euros por ano e este dinheiro financia 70% de todo o funcionamento do Ministério da Justiça, mas depois somos menosprezados e não temos o investimento a que temos direito”, lamentou o presidente do STRN.

Arménio Maximino assumiu, apesar de tudo, uma postura otimista face ao futuro e disse esperar que o governo e todos os partidos com assento parlamentar na Assembleia da República possam “ressuscitar o setor”.

“Se colapsar deixa de haver segurança jurídica, passaremos a viver numa selva”, concluiu o dirigente sindical, que insistiu na importância do setor dos registos para a paz social e coesão territorial.

ZAP // Lusa

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