A atuação dos portais de notícia estrangeiros que tem edições no Brasil, como El País, BBC Brasil e The Intercept Brasil, pode tornar-se ilegal no que depender dos grandes jornais brasileiros.
Há duas semanas, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicando que os meios de comunicação online tenham que respeitar a mesma regra aplicada a jornais, revistas, rádios e televisões.
Esta regra limita ao máximo de 30% a participação de capital estrangeiro no setor jornalístico.
No texto da ação apresentada ao STF, a associação defende que o poder multiplicador da Internet é muito maior do que os meios tradicionais de comunicação, e por isso deve ser restringido.
“Todo o conteúdo na Internet pode ser imediatamente partilhado e replicado em blogs, redes sociais, etc, e repercutir durante dias ou meses, através de comentários, novas partilhas e afins”, explicou a associação no documento.
“Essa realidade justifica, com ainda maior razão, a preocupação de que as notícias dirigidas ao público brasileiro preservem os valores e a cultura nacional, respeitem a soberania nacional e possam ensejar a responsabilização da empresa e dos seus responsáveis, nos casos de violação a direitos subjetivos”, conclui a associação.
Credibilidade e isenção
Para coordenadora do coletivo Intervozes, Bia Barbosa, a posição dos grandes jornais a favor da limitação dos portais estrangeiros não é novidade, mas sim o que motivou a ação no STF: “O que antes era uma questão apenas económica agora tornou-se política. Isso tudo aconteceu depois da cobertura do impeachment e da crise que estamos a viver”.
“Os media estrangeiros criticaram a credibilidade dos grandes jornais brasileiros, denunciando a baixa qualidade do jornalismo produzido aqui e apresentando um ponto de vista mais plural e democrático”, explica Bia Barbosa.
A coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, acrescenta que a cobertura mais comprometida com a verdade produzida pelos media estrangeiros só foi possível devido à concentração dos meios de comunicação no Brasil.
“É gravíssimo que apenas os media estrangeiros tenham conseguido apurar os fatos de forma menos enviesada, mas isso só aconteceu porque os media brasileiros são dominados por meia dúzia de famílias que fazem parte da elite dominante do país”, diz Mielli.
“Eles não estão interessados em fazer jornalismo isento, e sim em atender aos interesses do jogo no qual participam”, argumenta.
Liberdade de expressão
No documento apresentado ao STF, a ANJ defende que o modelo de negócios de veículos de comunicação estrangeiros deva seguir o exemplo da parceria entre os jornais Valor Econômico, brasileiro, e The Wall Street Journal, dos Estados Unidos.
“O jornal brasileiro possui no seu portal eletrónico uma secção exclusiva com notícias do jornal estrangeiro, traduzidas para o Português e disponibilizadas para o público brasileiro”, propõe a ANJ.
“As notícias produzidas pelo jornal americano, disponibilizadas através da referida parceria, passam pelo crivo editorial da empresa jornalística brasileira, que decide se são ou não relevantes para o público brasileiro, sem interferir no seu conteúdo”, explica a associação.
Para Bia Barbosa, esse tipo de regulação significa restringir o acesso à informação da população brasileira. “É muito danoso para democracia do nosso país que a diversidade seja limitada pelos donos dos media. Precisamos nos mobilizar contra essa iniciativa”, acrescenta.
Segundo as coordenadoras do Intervozes e do FNDC, as instituições ainda não debateram oficialmente como vão agir face à ação dos grandes jornais brasileiros, mas é provável que peçam participação no julgamento, através da medida amicus curiae. Assim, poderão mostrar até que ponto a sociedade civil pode perder se a ANJ sair vitoriosa.
As especulações sobre a decisão do STF ainda são incertas. Apesar dos últimos pareceres do poder judiciário brasileiro terem sido favoráveis à ANJ, como no caso da derrubada da regra da classificação indicativa, concedida em setembro, Renata Mielli lembra que o órgão defende a liberdade de expressão como um dos principais direitos.
“Como ficará o tribunal brasileiro se apoiar uma ação que cerceia a liberdade de expressão da população? Por outro lado, negar a ação é ir ao encontro dos interesses dos grandes empresários que têm poder político no país. É arriscado antecipar um posicionamento nesse cenário”, conclui.