Um jogo simples pode ajudar nas insónias

O “embaralhamento cognitivo” pode mesmo ajudar a adormecer? Dois cientistas explicam por que pode ser eficaz.

Se tem frequentado as redes sociais ultimamente — talvez a fazer scroll a meio da noite, quando sabe que não devia mas simplesmente não consegue dormir — pode ter-se deparado com vídeos a promover uma técnica para adormecer chamada “embaralhamento cognitivo” (em inglês cognitive shuffling).

Segundo os defensores da técnica, a ideia é ocupar a mente com pensamentos e imagens aleatórias através de uma fórmula específica:

  • escolha uma palavra aleatória (por exemplo, “bolo”)

  • foque-se na primeira letra da palavra (neste caso, B) e faça uma lista de palavras começadas por essa letra: bola, banco, bicicleta, e assim por diante

  • visualize cada palavra à medida que a menciona mentalmente

  • quando se sentir pronto, passe para a próxima letra (O) e repita o processo

  • continue com cada letra da palavra original (neste caso, L e depois O) até sentir vontade de mudar de palavra ou até adormecer.

É uma técnica popular no Instagram e no TikTok, mas será que o “embaralhamento cognitivo” tem fundamento científico?

De onde veio esta ideia?

A técnica foi popularizada há mais de uma década por Luc P. Beaudoin, um investigador sediado no Canadá, quando publicou um artigo sobre como aquilo a que chamou “imaginação diversa em série” podia ajudar a dormir.

Num dos exemplos hipotéticos de Beaudoin, uma mulher pensa na palavra “manta”, depois em “bicicleta” (e imagina uma bicicleta), em “comprar” (e imagina comprar sapatos), “banana” (visualiza uma bananeira), e por aí fora.

Pouco depois, Beaudoin descreve, ela passa à letra L, pensando no seu amigo Lourenço, na palavra “like” (e imagina o filho a abraçar o cão). Em seguida, passa à letra A, e pensa em “Amesterdão”: poderá vagamente imaginar a grande mão de um marinheiro a pedir mais uma dose de batatas fritas num pub em Amesterdão.

E pouco depois, adormece. O objetivo, segundo Beaudoin, é pensar brevemente num alvo neutro ou agradável e mudar frequentemente para alvos não relacionados (normalmente a cada 5–15 segundos).

Não tente estabelecer ligação entre as palavras ou dar-lhes sentido; resista à tendência natural do cérebro para procurar significado.

Embora a investigação sobre esta técnica ainda esteja numa fase inicial, a ideia tem fundamento científico. Sabemos, com base noutras investigações, que as pessoas que dormem bem tendem a ter pensamentos diferentes na cama em comparação com as pessoas com insónia.

As pessoas com insónias focam-se mais em preocupações, problemas ou barulhos no ambiente e estão frequentemente obcecadas com o facto de não conseguirem dormir.

Já os bons dorminhocos têm normalmente pensamentos mais caóticos, semelhantes a sonhos, antes de adormecer.

Pensamentos amigos e inimigos do sono

O embaralhamento cognitivo tenta imitar os padrões de pensamento dos bons dorminhocos, simulando os pensamentos aleatórios e oníricos que estes costumam ter antes de adormecer.

Beaudoin distingue dois tipos de pensamentos relacionados com o sono:

  • Pensamentos insonolentes (anti-sono): preocupações, planeamentos, ensaios de situações ou ruminação sobre problemas.

  • Pensamentos prosonolentes (promotores de sono): imagens semelhantes a sonhos ou um estado mental calmo e relaxado.

O embaralhamento cognitivo procura distrair ou interromper os pensamentos insonolentes, oferecendo à mente um caminho neutro e calmo, e pode reduzir o stress associado à dificuldade em dormir.

Ajuda ainda a sinalizar ao cérebro que está na hora de adormecer.

Na verdade, o processo de “embaralhar” entre diferentes pensamentos assemelha-se ao que o cérebro faz naturalmente ao adormecer. Durante essa transição, a atividade cerebral abranda. O cérebro começa a gerar imagens desconexas e cenas passageiras — conhecidas como alucinações hipnagógicas — sem esforço consciente para as compreender.

Ao imitar estes padrões desconexos e aleatórios, o embaralhamento cognitivo pode facilitar a transição do estado de vigília para o sono.

E os primeiros resultados da investigação são encorajadores. Beaudoin e a sua equipa verificaram que a “imaginação diversa em série” ajuda a reduzir a excitação mental antes de dormir, melhora a qualidade do sono e diminui o esforço necessário para adormecer.

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