Quem matou JFK: 60 anos de teorias da conspiração

Do encontro com a KGB no México ao plano com a Máfia para matar Fidel e Che. O “vírus” do pensamento conspiratório foi alimentado pelo assassinato de JFK, que celebra 60 anos esta quarta-feira.

Foi há exatamente 60 anos que o presidente dos EUA mais jovem a ser eleito, John Fitzgerald Kennedy, foi assassinado em Dallas, no Texas.

Símbolo de uma nova era com o seu carisma e apelo fotogénico, a par da sua esposa Jackie, enfrentou o auge da Guerra Fria, navegando através da Crise dos Mísseis de Cuba e liderando o sonho americano rumo à descoberta do Espaço.

O assassinato, em praça pública, da cara da luta contra a “ameaça comunista” chocou o mundo e teve um impacto profundo na sociedade americana e na política mundial, marcando o fim de uma era de otimismo nos EUA — mas também gerou numerosas teorias da conspiração.

O dia 22 de novembro de 1963

Walt Cisco, Dallas Morning News

O presidente dos EUA, John F. Kennedy, foi assassinado em Dallas, no Texas, a 22 de novembro de 1963.

Os factos mais básicos do assassinato são bem conhecidos: Kennedy estava numa limusina descapotável ao lado da primeira-dama Jackie Kennedy, o Governador do Texas John Connally Jr. e a sua esposa, em Dealey Plaza, em Dallas quando foi baleado na cabeça e no pescoço.

Jackie estava em choque, tal como um cervo em frente aos faróis de um carro. [A antiga primeira-dama] ficou surpresa por alguém estar a falar com tanta franqueza sobre o que tinha acontecido”, contou em 2020 o neurocirurgião-chefe da unidade que tentou ressuscitar JFK.

Lee Harvey Oswald, ex-fuzileiro de 24 anos, foi identificado como o único atirador pelo relatório da Comissão Warren, encarregue de investigar o caso pelo Presidente Johnson e liderada pelo Presidente do Supremo Tribunal Earl Warren.

Oswald foi morto numa cela da sede da polícia de Dallas, dois dias após a sua prisão.

Desde então, vários desenvolvimentos vieram a moldar significativamente a compreensão pública e continuaram a alimentar teorias da conspiração em relação ao assassinato.

Lei de Registos JFK: documentos revelam segredos

Em 1992, o Congresso dos EUA aprovava a Lei de Registos JFK, que exigia a divulgação de todos os documentos relacionados com o assassinato dentro de 25 anos.

Fazendo as contas, em outubro de 2017 todos teríamos estes documentos nas nossas mãos, mas apesar de 99% dos registos sobre o caso já se encontrarem disponíveis, ainda haverá alguns por revelar — diz a própria Casa Branca.

A Casa Branca tem vindo a oferecer ao público milhares de documentos classificados, que incluem informações fervorosas do CIA, do FBI e até do KGB e da própria máfia — documentos que têm vindo a alimentar todo o tipo de opiniões e conspirações.

Com esses documentos viemos a conhecer o que poucos conheciam: a ligação de Lee Harvey Oswald aos regimes soviético, cubano e o seu encontro com o KGB no México e o aviso do FBI à polícia de Dallas sobre uma ameaça contra a vida do suposto assassino são alguns dos segredos desvendados mais fervorosos, entre muitos outros que dão aso a todo o tipo de opiniões.

O presidente Joe Biden emitiu, em dezembro de 2022, uma ordem executiva que autorizou a sua divulgação, mas frisou que alguns arquivos seriam mantidos em sigilo para evitar que a identificação de alguns dados pudesse trazer prejuízos para o setor militar e de inteligência dos Estados Unidos.

Mais de 14 mil documentos permanecem totalmente ou parcialmente classificados, ostensivamente para proteger agentes e informantes ainda vivos.

Encontro com a KGB no México

Um mês antes do assassinato de Kennedy, Oswald apanhou um autocarro que o levou do Texas à Cidade do México. O assassino do ex-presidente chegou na manhã de sexta-feira, dia 27 de setembro de 1963, e voltou aos EUA a 2 de outubro.

A estranha viagem faz com que muitos analistas a questionem como um dos primeiros indícios de premeditação do assassinato do Presidente.

Todos os países comunistas e democráticos tinham uma embaixada na Cidade do México, e segundo testemunhas das missões diplomáticas cubana e soviética, Oswald visitou as embaixadas destes países na sexta-feira e no sábado, dias 27 e 28 de setembro de 1963. O assassino queria adquirir vistos para poder viajar.

Quando lhe disseram que os documentos demorariam meses até ficarem prontos, o americano entrou em confrontos e acabou mesmo por provocar o cancelamento de um jogo de vólei da KGB após exibir uma arma no consulado soviético.

Estes acontecimentos são documentados pela CIA, que na década de 1960 intensificou as suas operações no México para monitorizar atividades comunistas, contratando assim 200 agentes mexicanos para auxiliar os trabalhos.

A CIA disse, no entanto, que nunca teve contacto com Oswald e não ocultou informações de investigadores e que todas as informações que tinha sobre a viagem de Oswald ao México já foram divulgadas. “Não há novas informações sobre esse tópico nesta divulgação [de arquivos] de 2022″.

Mas a Fundação Mary Ferrell, uma organização sem fins lucrativos que entrou com uma ação para exigir que o governo divulgasse os arquivos, afirmou que a CIA estava a bloquear a divulgação de informações sobre a passagem de Oswald pelo México.

A fundação disse que alguns registos feitos pela CIA nunca foram acrescentados aos arquivos e, portanto, não faziam parte do lote de documentos que acabou de ser libertado.

Um documento mostra que o presidente do México ajudou os EUA a colocar uma escuta telefónica na embaixada soviética no México sem o conhecimento de outras autoridades do governo mexicano, um dado que foi ocultado em versões do arquivo divulgadas anteriormente, relata a CBS News.

O envolvimento da CIA

Outros documentos registam o depoimento de Richard Helms, na altura diretor da CIA, recolhido em 1975 numa comissão de inquérito, e abordam o alegado envolvimento da CIA numa conspiração para matar o presidente americano.

A certa altura do interrogatório, e após uma breve troca de impressões sobre a guerra do Vietname, um dos procuradores nessa mesma comissão, David Belin, começa a perguntar a Helms: “Há alguma informação relacionada com o assassinato do Presidente Kennedy que, de alguma maneira, revele que Lee Harvey Oswald seria de alguma forma um agente da CIA ou um agente…“.

É precisamente neste ponto que o documento é cortado, segundo realçam os repórteres do Washington Post.

“Um trabalho interno”?

O assassinato foi um trabalho interno, confessou ao cineasta Oliver Stone um ex-membro da guarda presidencial que estava a morrer de cancro.

O homem, cuja identidade foi ocultada sob o pseudónimo de “Ron”, diz ter pertencido à guarda do presidente norte-americano, e afirma que alguém da sua própria equipa tinha disparado contra Kennedy, relata o Daily Mail.

Nas palavras do sujeito, o tiro fatal terá sido “um trabalho interno” de um atirador do grupo de seguranças encarregados de proteger o perímetro.

Plano com a Máfia para matar Fidel e Che

Os documentos também incluem dados sobre pessoas e questões relacionadas, de alguma forma, com Cuba e com a então União Soviética que surgiram, desde o primeiro momento, como potenciais envolvidas no assassinato.

A CNN nota que um desses documentos revela que os EUA terão contactado elementos da Máfia para engendrar um plano para matar o líder cubano Fidel Castro.

A Máfia tinha um Casino em Havana que poderia ajudar a cumprir essa missão e o plano passaria por enviar comprimidos letais para Cuba, de acordo com a análise da estação norte-americana aos documentos.

De acordo com esses ficheiros, houve reuniões com exilados cubanos que tentaram fixar um preço “pelas cabeças” de Fidel, do seu irmão Raul e ainda de Che Guevara. Os preços ficariam, depois de alguma negociação, nos 100 mil dólares pela cabeça de Fidel, 20 mil pela de Raul e outros 20 mil pela de Che.

Um outro ficheiro descreve a operação Bounty, que pretendia derrubar o governo cubano da altura e lançar um sistema de recompensas financeiras para cubanos que eliminassem ou denunciassem comunistas. Neste esquema, os valores variavam entre 57 mil e 100 mil dólares, sendo que Castro, “talvez por razões simbólicas”, poderia ser eliminado a troco de apenas dois cêntimos.

A CNN relata também os detalhes de um documento da Comissão Rockefeller, de 1975, sobre o papel da CIA num plano para eliminar Fidel nos primeiros dias da administração Kennedy. Na altura, o seu irmão Robert Kennedy, que era Procurador-Geral, terá contado ao FBI que a CIA estava a contactar um intermediário com o propósito de contratar um atirador para matar o ditador cubano por 150 mil dólares.

A duvidosa “teoria da bala única”

O relatório da Comissão Warren também introduziu a “teoria da bala única”, sugerindo que a mesma bala que passou pelo pescoço de Kennedy atingiu Connally, causando-lhes as lesões. A bala encontrada na maca de Connally apoiou esta teoria.

Paul Landis, um ex-agente dos Serviços Secretos que foi uma testemunha próxima do assassinato, revelou em entrevista ao The New York Times que estava no estribo de um carro que seguia a limusina onde Kennedy circulava quando ouviu múltiplos tiros.

Uma bala atingiu o Presidente pelas costas. Após o cortejo chegar ao hospital, o ex-agente disse que encontrou uma bala no carro de Kennedy, apanhou-a e colocou-a na maca do Presidente.

No entanto, as suas observações – feitas cerca de um mês antes de publicar um livro de memórias – diferem de duas declarações escritas que entregou pouco depois do assassinato. Landis guardou esta informação durante décadas, sem nunca a ter partilhado com a Comissão Warren ou em qualquer relatório oficial. O ex-agente sofria de stress pós-traumático grave e estava privado de sono na altura do assassinato.

A revelação suscitou interpretações diferentes. Alguns acreditam que mina a teoria da bala única e que pode reabrir a especulação sobre se Oswald agiu sozinho.

A teoria de conspiração garante que John F. Kennedy foi, na realidade, baleado de um local diferente: um monte relvado.

Teoria do segundo atirador cai

Os resultados de uma análise de 2018 de um vídeo do tiroteio, publicada na revista Haliyon, apoiam as descobertas oficiais da autópsia: John F. Kennedy sofreu um ferimento de bala causado pelo mesmo tipo de espingarda que o de Lee Harvey Oswald, disparada das imediações do prédio do Texas School Book Depository, localizado atrás da caravana presidencial, no momento do assassinato.

O modelo faz cálculos explícitos do clique frontal que ocorreu antes da cabeça do Presidente se mover para trás e para a esquerda após o disparo. O modelo usa parâmetros conhecidos da cena do crime, incluindo a massa da bala, a velocidade e o diâmetro, a frequência do obturador da câmara e detalhes da autópsia.

“Descobri que o filme de Zapruder mostra o presidente Kennedy a ser baleado por trás, e não do infame monte relvado, corroborando as descobertas oficiais da autópsia: esta é a única ‘arma fumegante’ no filme”, sublinhou o investigador.

A ligação aos OVNIs

Um dos documentos recentemente “desbloqueados” revelou um nome importante em todo o processo: Reuben Efron, oficial da CIA que intercetou o correio de Oswald meses antes do assassinato. Um misterioso encontro do agente com um OVNI surge na documentação recentemente divulgada.

O encontro terá tido lugar em 1955, numa viagem de comboio pela União Soviética com o senador norte-americano Richard Russell, democrata da Georgia, e um coronel do exército. O relatório da CIA descreve o avistamento de dois “discos voadores”, e pouco mais.

Sabe-se que Russell foi um dos membros da Comissão Warren, encarregada de conduzir a entrevista à mulher de Oswald em 1964.

Agora, há quem ache estranho que o nome do agente que lia, há meses, o correio do suposto assassino do ex-presidente dos EUA, só tenha vindo agora à baila. Os mesmos vêm uma ligação incontestável entre Efron e o assassinato de Kennedy.

Festas de sexo, KKK e a ameaça comunista

Um memorando do FBI revela que uma acompanhante de luxo de Hollywood terá sido abordada por um detetive privado sobre festas de sexo em que teriam participado John Kennedy, mas também o seu cunhado, Peter Lawford, e os cantores Frank Sinatra ou Sammy Davis Jr. Na altura, a mulher terá negado qualquer uma das “indiscrições” com que foi confrontada.

Os documentos falam também na suspeita, descrita num memorando do FBI de 1964, de que o presidente Lyndon B. Johnson teria sido membro do Klu Klux Klan no Texas nos primeiros anos da sua carreira política.

A “ameaça comunista” nos EUA é mais um dos temas frequentes nos ficheiros já conhecidos. Além da existência de uma “lista negra de Hollywood”, que incluía nomes de suspeitos de pertencerem clandestinamente ao Partido Comunista, há ainda registo de vários tipos de vigilância que passavam, por exemplo, pela instalação de escutas em escritórios e zonas de trabalho.

O “vírus” do pensamento conspiratório

O assassinato e a subsequente investigação levaram a um fenómeno cultural generalizado de pensamento conspiratório que ainda hoje, 60 anos depois, é visível.

O intenso escrutínio de especialistas amadores e “entusiastas” do assassinato sobre cada detalhe, até à balística, a autópsia e o filme de 8mm do assassinato feito por Abraham Zapruder, são algumas provas do início de uma história que parece não ter fim.

Mais de 40 mil livros, um filme, 42 grupos e 82 homens acusados de envolvimento. As imensas repercussões do assassinato de Kennedy também se podem traduzir em números para discutir um momento crucial na história dos EUA.

Tomás Guimarães, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.