Já quase se pode atravessar a pé o rio Zêzere (e as ruínas da aldeia de Vilar emergiram das águas)

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Paulo Novais / EPA / Lusa

ruinas de Vilar, Pampilhosa da Serra

Ruínas da aldeia de Vilar, em Pampilhosa da Serra, que foi submersa em 1954 pela Barragem do Cabril.

Submersa em 1954, quando se fecharam as comportas da Barragem do Cabril, no rio Zêzere, a aldeia do Vilar, no concelho de Pampilhosa da Serra, emergiu, na forma de ruínas, com a descida do caudal do rio. Em algumas zonas, já quase se consegue atravessar o rio a pé por causa da seca.

O Governo já restringiu o uso de várias barragens para a produção de electricidade e para a rega agrícola numa altura em que o país vive uma situação difícil de seca extrema quando estamos em Fevereiro, ou seja, em pleno Inverno.

Na foz de Alge, quando a ribeira com o mesmo nome se cruza com o rio Zêzere, no concelho de Figueiró dos Vinhos, a norte do distrito de Leiria, não falta muito para se poder atravessar o rio a pé.

José Emílio, de 72 anos, conta à agência Lusa que “quando o rio está cheio, vem muita gente”. “Agora vem gente, porque nunca viu o rio assim”, desabafa, lamentando que “é mau para toda a gente” e que “vai dar um prejuízo de todo o tamanho”.

Ana Paula, de 50 anos, a trabalhar no restaurante junto à foz, fala em desolação, enumerando as actividades que o estado do rio leva consigo, do comércio à agricultura e ao turismo. E depois há “os animais, a natureza”, diz.

Já há quem se desloque à zona “pela curiosidade” de ver o rio tão sem água, como é o caso de Maria Oliveira, de 23 anos, de Alvaiázere, que repetiu por estes dias a viagem que tinha feito em Setembro à Foz de Alge, para confirmar, ao vivo, o que já tinha visto em imagens.

“Em quatro meses passou-se isto?”, questiona, repetindo não acreditar que “isto estivesse assim”, que o rio que então fotografou e no qual andou de canoa está muito mais vazio, que a paisagem circundante está menos verde.

“Um somatório de preocupações”

O presidente do Clube Náutico de Figueiró dos Vinhos, António Dias, assume que é “uma desilusão total”. “Fartamo-nos de trabalhar para nada”, nota, referindo à Lusa que o “o arranjo de uma plataforma para acostagem de embarcações” é “uma despesa enorme e um grande transtorno para o clube”.

António Dias, que trabalhou para a EDP e que foi “criado no rio”, explica que perante uma situação destas é “com grande mágoa” que vê tudo ficar da forma que está.

“As pessoas que lá vivem não podem usar o rio nem para tirar a água, a agricultura que bombeia água do rio e neste momento é impossível também pescar. E a seguir vêm os fogos e não há água sequer para os meios aéreos, em caso de incêndio, actuarem”, refere António Dias.

É um “somatório de preocupações”, resume o presidente do Clube Náutico.

Fonte da Câmara de Figueiró dos Vinhos expressa à Lusa preocupação face à falta de água no rio Zêzere e manifesta a satisfação pelo anúncio do Governo de que a Barragem de Castelo de Bode deixará de produzir energia eléctrica.

Para já, há quatro barragens cuja água só será usada para produzir electricidade cerca de duas horas por semana, garantindo “valores mínimos para a manutenção do sistema: Alto Lindoso e Touvedo, no distrito de Viana do Castelo, Cabril (Castelo Branco/Leiria) e Castelo de Bode (Santarém).

Aldeia de Vilar emergiu das águas

Vilar, em Pampilhosa da Serra, foi submersa em 1954, quando a Barragem do Cabril encheu, e as suas ruínas estão, agora, visíveis devido à descida do caudal do rio.

É com relutância que Manuel Barata, de 77 anos, nascido e criado naquela aldeia, olha para o que designa de esqueleto.

Não gosto de ver aquilo assim. Lembra-me que passou ali a guerra, porque eu também andei na guerra”, afirma à agência Lusa Manuel Barata, que teve de deixar Vilar com os pais e a irmã.

“Avisaram para a gente sair. Pagaram o que eles quiseram“, diz o antigo emigrante, lembrando quem ameaçou ali morrer afogado se não lhe pagassem o que exigia.

O ressurgimento da aldeia não é coisa nova. No passado, sem conseguir precisar quando, o morador garantiu que “já aconteceu assim como está”. E, vendo o leito do rio, só se lembra uma vez.

Destacando que no Verão “é uma invasão de pessoal” devido à praia fluvial, Manuel Barata fica agora na dúvida. “Se não houver água, não sei se vêm ou se vêm mais para admirar aquilo”, diz.

Paulo Caracol, de 59 anos, morador no vizinho concelho de Góis, aproveitou para passear pelas ruínas, “sítios que deviam ser quartos, janelas, fornos, caminhos estreitos”, como relata à Lusa.

“É um misto, alegria de ver coisas que fazem parte da História da região e tristeza por estar sem água”, refere.

No local, a piscina flutuante está agora em terra firme, “à espera de que a água suba para ficar a flutuar”, diz à Lusa o presidente da Junta de Freguesia de Portela do Fojo – Machio, Henrique Fernandes Marques, esperançado de que o nível do rio suba e o turismo também.

Segundo Henrique Fernandes Marques, a cota máxima do Zêzere naquele local situa-se perto de um nicho das “Alminhas” e, apesar de distarem pelo menos 150 metros até onde agora está o nível do rio, é de esperança que fala, apontando que ainda faltam “Março, Abril” para chover e dizendo o provérbio “Abril, águas mil”.

ZAP // Lusa

2 Comments

  1. O problema da água será resolvido em breve assim que a atual maioria absoluta tomar posse. O Costa mete o Cabrita a tratar disso.

  2. Um problema real, que nunca foi levado a sério em Portugal e pergunto mesmo para que serve um ministério da agricultura, mas isto vai muito para além do meio rural, trata-se de um bem essencial para a sobrevivência do país, mas como são obras que não dão nas vistas no meio urbano onde está a grande maioria dos eleitores, nem sequer merecem debate quanto mais realização, só passará a situação feia a sério quando a água e os bens de consumo faltarem nesses locais.

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