Adoecer tem o custo das distâncias no extenso Nordeste Transmontano onde uma ida ao médico pode levar metade da reforma e há já relatos de pessoas que não vão porque não têm dinheiro para o transporte.
“Corta o coração” a João Martins, comandante dos bombeiros de Alfândega da Fé, que se depara diariamente com estes casos, sobretudo de idosos, que são transportados sozinhos, para longe de casa, numa urgência e vivem a angústia do preço que têm de pagar para regressar à aldeia.
No ano passado, em quatro meses, Germano Morais, de 54 anos, foi transportado 10 vezes da aldeia, Vilares da Vilariça, em Alfândega da Fé, para Mirandela. São pouco mais de 30 quilómetros, mas no distrito de Bragança as distâncias medem-se em tempo, mais de meia hora de caminho, e em quanto custa não ter hospitais de referência perto de casa.
Germano, que recebe 300 euros de pensão, gastou 200 em viagens de táxi por ser obrigado a recorrer este meio de transporte, por falta de alternativa.
Para ir a consultas, levantava-se às seis da manhã e andava cinco quilómetros até à aldeia mais próxima onde passa um autocarro. Cansou-se e foi para um lar, onde vai tendo apoio.
Beatriz Coelho, de 65 anos, ficou doente e chamou o INEM duas vezes. Foi para Mirandela, “ao cabo de duas horas” teve alta e foi obrigada a regressar a casa de táxi. Pagou 30 euros de cada vez.
Até há bem pouco tempo não era assim. Fez muitas viagens para o IPO, mas fosse de ambulância ou de autocarro ou não pagava nada ou era reembolsada.
Maria Helena Martins, de 76 anos, já não aguenta, não tem mais dinheiro para pagar 30 euros de táxi. Tem meses de ir cinco vezes a Mirandela. Já desistiu de três consultas.
Instituições como a Santa Casa da Misericórdia de Alfândega da Fé conhecem bem estas dificuldades entre os utentes do lar de idosos com idades entre os 80 a 90 anos.
“Diariamente deparamo-nos com esta situação. Vão para Mirandela, Bragança, Macedo, Vila Real, também temos situações que vão para o Porto. Aí têm de pagar 200 euros de ambulância”, contou Lídia Martins, diretora técnica do Lar.
À corporação dos bombeiros de Alfândega da Fé chegam “situações dramáticas”, sobretudo da população idosa, que “vive daquelas reformas rurais de 200 e poucos euros e que chega a pagar para regressar às suas aldeias 60, 70 ou 80 euros de táxi”, como relatou o comandante João Martins.
Os bombeiros “já têm ido em viaturas particulares buscar essas pessoas”, quando estão nos hospitais e se apercebem destes casos, esperam por elas e ainda facilitam o pagamento do transporte nas ambulância da corporação porque sabem “o drama que vai ser pagar” o que para muitos é metade da reforma.
“Há situações que já começam a aparecer aqui, que não pedem o INEM para depois não ficarem sozinhos nos hospitais. Estamos a falar de pessoas de 70 ou 80 anos que para além das dificuldades económicas têm outro tipo de dificuldades também”, frisou.
O problema é comum à população do Nordeste Transmontano que vive longe dos hospitais concentrados nas três maiores cidades (Bragança, Mirandela e Macedo de Cavaleiros) como asseverou Diamantino Lopes, presidente da Federação Distrital de Bombeiros.
Na maior parte das associações desenvolveu-se “uma política de facilitação do serviço” e está a ser pensado um sistema em que qualquer que seja a corporação mais próxima, o doente beneficia de um desconto no transporte em ambulância, desde que seja associado de uma associação de bombeiros da região.
Tem que se alterar a legislação no que diz respeito ao apoio aos transportes, reclama a médica Berta Nunes, a presidente da Câmara da Alfândega da Fé.
A autarca socialista pertenceu a um grupo rural europeu de médicos e aponta o exemplo que conheceu noutras zonas da Europa.
“Nenhuma legislação que seja produzida no parlamento do País de Gales, em Inglaterra, sai sem ser avaliado o impacto nas zonas rurais, mormente na área da Saúde que é uma área muito sensível porque de facto o acesso está altamente condicionado pelas grandes distâncias que existem nas zonas do interior”, concretizou.
O município transmontano está a assegurar o transporte a 30 doentes oncológicos que de outra forma não tinham dinheiro para consultas e tratamentos nos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO) do litoral.
Berta Nunes fala em “discriminação e falta de igualdade entre os cidadãos que vivem nas zonas do interior e os que vivem nas zonas do litoral no acesso à saúde”.
“É uma situação de injustiça gritante, flagrante, que é urgente resolver, tem de ser reparada”, reivindicou.
/Lusa