Expedição de Irina Gorodetskaya, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, visou estudar os padrões de aquecimento e precipitação da Península Antártica num cenário real de alterações climáticas.
A investigadora Irina Gorodetskaya, do CIIMAR-UP, viajou até à Península Antárctica para estudar o aumento da frequência de precipitação, as temperaturas extremas e o seu papel no aquecimento e perda de massa da região.
A expedição visou também instalar equipamento para uma operação de Inverno, incluindo o primeiro radar meteorológico de longa duração nas Ilhas Shetland do Sul.
Nos últimos 40 anos, a Península Antárctica tem vindo a registar aumentos de temperatura associados às alterações climáticas e ao aquecimento global ainda mais intensos do que os registados no resto do continente antártico, de acordo com os estudos mais atualizados compilados no recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas 2021.
Para além da tendência geral de aquecimento, registaram-se também ondas de calor notáveis, que provocaram fenómenos generalizados de degelo à superfície, nomeadamente nas plataformas de gelo da Península Antárctica, que se revelaram especialmente vulneráveis.
De acordo com um relatório de peritos publicado no mês passado, a perda de massa de gelo dos mantos de gelo da Antártida e da Gronelândia quintuplicou desde a década de 1990, atingindo um novo recorde e contribuindo agora para um quarto da atual subida do nível do mar.
A Península Antárctica registou um aumento alarmante da sua perda de massa, que atingiu 21 Gt/ano no período de 2017-2020, juntamente com uma desestabilização crescente das plataformas de gelo remanescentes.
A este ritmo de perda de gelo, é urgente monitorizar as alterações e compreender os processos que as determinam, pois resta pouco tempo até que a área fique definitivamente comprometida.
Estudar a precipitação e o aquecimento
De acordo com Irina Gorodetskaya, o principal objetivo desta expedição, realizada entre 1 de fevereiro e 5 de março de 2023, foi estudar o impacto do fenómeno meteorológico dos “rios atmosféricos”: longos corredores de calor e humidade transportados na atmosfera, vulgarmente conhecidos como “rios no céu”.
“Os rios atmosféricos que atingem a Península Antárctica têm geralmente origem no Oceano Pacífico subtropical e têm sido associados a grandes fenómenos de degelo superficial nesta Península e ao enfraquecimento das plataformas de gelo“, afirma a investigadora principal da equipa Land-Ocean-Atmosphere Interactions do CIIMAR.
Com estes objetivos, a expedição, que decorreu durante o Verão antártico, permitiu realizar medições que fornecerão informações sobre uma panóplia de estudos meteorológicos associados ao fenómeno dos rios atmosféricos (tais como as características da formação da precipitação e as fontes locais de humidade.
Permitiu ainda definir a transição entre a queda de neve e a precipitação, revelar a estrutura termodinâmica da troposfera local e estimar a quantidade de água líquida sobrearrefecida nas nuvens.
“As nossas medições ajudam a compreender melhor a forma como os rios atmosféricos afetam o norte da Península Antárctica e como se formam, comparando-os com outros sistemas meteorológicos”, explica Irina.
E acrescenta: “Os rios atmosféricos podem ter impactos contrastantes no balanço de massa da superfície da Antárctida, uma vez que podem trazer tanto um aumento da precipitação (acrescentando massa) como condições muito quentes que levam ao degelo da superfície (removendo massa)”.
A tecnologia ao serviço do bem comum
Este duplo papel dos rios atmosféricos antárticos foi discutido em ligação com as alterações globais do nível do mar na apresentação da investigadora do CIIMAR no Pavilhão dos Oceanos durante a COP27, numa sessão especial intitulada “Compreender os rios atmosféricos para aumentar a resiliência climática”.
“No nosso projeto, combinamos uma variedade de técnicas de medição com modelos e tecnologia de ponta para aprofundar o conhecimento sobre os processos locais, e compreender as origens, mecanismos e impactos dos rios atmosféricos”, explica a investigadora.
“Recolhemos os nossos dados a partir de uma multiplicidade de equipamentos, que vão desde radares de precipitação, radiossondas, sensores universais de teor de água, bem como amostras de precipitação e de neve à superfície”, acrescenta.
Entre estes equipamentos encontra-se o mais inovador até à data: “Trabalhámos com um novo sensor de nuvens de água líquida super-refrigerada”.
Além disso, os investigadores estão a aplicar “uma metodologia inovadora que relaciona as propriedades físicas das nuvens e da precipitação com a composição microbiana da precipitação”, uma metodologia desenvolvida em colaboração com investigadores do CIIMAR liderados pela investigadora Catarina Magalhães.
No seu conjunto, a informação recolhida com estes equipamentos e metodologias inovadoras permitirá compreender como se forma a precipitação, de onde vem, e também perceber porque é que chove mais e mais vezes em comparação com a queda de neve no norte da Península Antártica.
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