“Inquisição” moderna nos EUA. Grupos conservadores baniram 1600 livros nas escolas num ano

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Há cada vez mais campanhas de pressão coordenadas de grupos ou políticos conservadores que exigem a proibição de livros nas escolas. Os títulos que abordam racismo ou assuntos LGBT são os principais alvos.

Educação sexual, igualdade de género ou racismo são alguns dos temas dos livros que estão no centro da batalha que está a ter lugar nas escolas norte-americanas. No último ano lectivo, houve mais de 2500 instâncias de livros que foram banidos após serem contestados por grupos conservadores ou associações de pais.

Os dados são do novo relatório da Pen America, uma organização não governamental que apoia a liberdade de expressão na literatura, publicado no âmbito da Semana dos Livros Banidos. Entre Julho de 2021 e Junho de 2022, houve 2532 instâncias de livros individuais a serem banidos, afectando 1648 títulos, em 32 dos 50 estados do país.

Mais de 5000 escolas tiveram de barrar o acesso dos alunos a algum livro, algo que a Pen America diz resultar de uma “proliferação de esforços organizados em defesa da remoção de livros”. As proibições atingiram quase quatro milhões de estudantes.

Apesar da proibição de livros nas escolas não ser algo novo nos Estados Unidos, no passado resultavam mais de queixas individuais de pais, enquanto que agora são causados por campanhas de pressão planeadas por grupos ideológicos ou até por figuras políticas.

Cerca de 40% das proibições no último ano estão ligadas a pressão política ou leis que restringem a liberdade educativa dos professores. Em Novembro de 2021, por exemplo, o Governador Republicano Henry McMaster, da Carolina do Sul, exigiu que o livro Gender Queer: A Memoir de Maia Kobabe fosse removido das bibliotecas escolares por ser “pornográfico“.

Este livro foi mesmo o alvo principal, tendo sido o mais banido, com 41 agrupamentos escolares a proibirem-no. All Boys Aren’t Blue, de George M. Johnson, ficou em segundo lugar, tendo sido banido em 19 agrupamentos e Out of Darkness, de Toni Morrison fecha o pódio, com proibições em 24 agrupamentos. Morrison, que venceu o Nobel da Literatura em 1993 é a autora com mais obras banidas.

O relatório também estima que 41% dos livros afectados tinham personagens ou abordavam temas LGBT e que 40% tinham protagonistas ou personagens importantes de minorias étnicas. 22% tinham conteúdos sexuais, 21% tinham títulos onde referiam o racismo, 10% tinham títulos referentes a activismo, 9% eram biografias e 4% tinham histórias sobre minorias religiosas.

Já 75% dos livros proibidos eram de ficção, 24% eram de não-ficção e 1% eram de poesia. 49% dos títulos tinham como alvo um público jovem adulto. Das 2532 proibições, 96% avançaram sem se seguir as recomendações sobre censura da Associação Americana de Bibliotecas e da Coligação Nacional Contra a Censura.

O Texas foi o estado onde houve mais proibições, seguindo-se a Flórida e a Pensilvânia. “Este movimento de censura está a tornar as nossas escolas públicas campos de batalha política, a alimentar divisões entre as comunidades, a forçar os professores e bibliotecários a abandonar os empregos e a lançar dúvidas sobre o espírito de questionamento e liberdade intelectual que são essenciais para uma democracia próspera”, afirma Suzanne Nossel, directora executiva da Pen America.

“Vivemos numa cultura de medo”

Não são só os livros que estão a ser afectados pelas proibições; os próprios bibliotecários estão a ter de repensar o seu trabalho. Jason Kuhl é bibliotecário há 23 anos e tinha um plano em conjunto com outros colegas para lançar um projecto chamado bookmobile, que seria uma biblioteca num autocarro que visitaria vários locais na cidade de St. Charles, no Missouri.

No entanto, quando uma lei entrou em vigor no fim de Agosto que criminalizava qualquer acção que disponibilizasse conteúdos explícitos numa escola, Kuhl teve de abortar a ideia de levar a bookmobile a estabelecimentos de ensino.

Entre os exemplos de livros banidos dados pelos defensores da lei estavam All Boys Aren’t Blue, que conta a história autobiográfica de um homem negro queer, ou Fun Home: A Family Tragicomic, de Alison Bechdel, um livro de memórias sobre a homossexualidade da autora e do seu pai.

“Já não sabemos o que pode ser interpretado como sexualmente explícito. Para ser sincero, parece que voltamos atrás no tempo. Vivemos numa cultura de medo“, explica Kuhl ao The Guardian.

Entre os vários grupos que lideram as campanhas para a proibição dos livros destacam-se o Moms for Liberty, No Left Turn in Education e Parents Defending Educationı. Mas grupos de extrema-direita como os Proud Boys — uma das milícias que participou no ataque ao Capitólio a 6 de Janeiro de 2021 — também já estão a saltar nesta tendência.

Para além da organização de campanhas coordenadas de envios de queixas sobre os livros, alguns dos movimentos usam métodos de intimidação, como filmar bibliotecários e partilhar os vídeos nas redes sociais apelando ao ódio ou insultar os profissionais no seu local de trabalho.

Todo este stress tem levado a que cada vez mais bibliotecários apresentem a demissão ou apaguem as suas contas nas redes sociais para escaparem ao assédio. Mais de dois terços dos inquiridos no Urban Library Trauma Study de 2022 — um estudo anual sobre os problemas nas bibliotecas públicas — dizem que já foram alvo de insultos ou comportamentos agressivos no local de trabalho.

Carolyn Foote, uma bibliotecária do Texas que entretanto se reformou, decidiu juntar-se a outros colegas para criar o FReadom Fighters, um grupo de apoio para bibliotecários sob stress. A conta do Twitter do grupo, que já tem mais de 12 seguidores, partilha links de relatos de violência e conselhos sobre como lidar com estas situações.

“Os bibliotecários estão a sentir muito medo, tristeza e stress. Não queremos que as pessoas tenham vergonha”, afirma Foote.

Adriana Peixoto, ZAP //

10 Comments

  1. Uma vez que a postura da esquerda identitária woke e cancel tem sido do mais déspota que pode haver, nada disto me admira. É a lei da acção e reacção. Torna-se quase legítimo, embora eu também não goste da direita conservadora. Os extremos tocam-se!

  2. É mais ao contrário, não? Não estamos a falar de ciência ou conhecimento. Estamos a falar de livros que impingem ideologias obscuras, doutrina e propaganda. Tentando atacar a sociedade pelo ponto mais fraco, as crianças. Estão é a querer instaurar a Inquisição, isso sim.

  3. Lendo o texto facilmente se percebe o porquê…
    Sexualizar as crianças é algo que deve ser energicamente reprimido.

    Quem não sabe, devia saber de toda a retórica e demagogia da esquerda para impor os seus ideais demoniacos.

    DEIXEM as crianças em paz!!!

  4. Livros escolares com matérias religiosas\politicas, ou a vitimizar com racismo forçado não deviam ter lugar em escolas.

    Quem defende temas sexuais na escola devia procurar ajuda…

  5. Livros escolares com matérias religiosas\politicas, ou a vitimizar com racismo forçado não deviam ter lugar em escolas.

    Quem defende temas sexuais na escola devia verificar a sua sanidade mental…

  6. Tive de arranjar um princípio orientador nos últimos anos.

    Sempre que fico confuso com o que se passa no mundo, pergunto-me: “Será esta pessoa uma apoiante de Drag Queens?

    Se sei que a pessoa a ser atacada não o é e está a ser atacada por pessoas que o são, então eu deveria estar 100% do seu lado.

    E se aplicar este simples teste a todos os conflitos, nunca poderei errar.

    As pessoas que querem homens vestidos de mulheres a fazer danças de acasalamento em jardins de infância e escolas primárias não podem estar certas sobre o que quer que seja neste mundo.

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