O Império Inca (1400-1532 dC) é uma das poucas civilizações antigas que falava em múltiplas dimensões. Em vez de palavras ou pictogramas, os Incas utilizavam dispositivos de corda com nós, o quipo, para comunicarem complexas informações matemáticas e narrativas.
No entanto, e depois de mais de um século de estudo, somos ainda incapazes de decifrar completamente o código de quipo. O desafio da compreensão não está na falta de artefactos – há mais de 1.000 quipo conhecidos-, mas na sua variedade e complexidade.
O mistério foi finalmente desvendado o ano passado por Manny Medrano, então aluno da Universidade de Harvard, nos EUA, e Gary Urton, antropólogo da mesma universidade, que decifraram o mistério do sistema de cordas que nunca tinha conseguido explicar. Em abril, Urton publicou em livro a explicação detalhada das descobertas dos dois cientistas.
Os investigadores foram confrontados com dezenas de milhares de nós amarrados por pessoas diferentes, para propósitos diferentes e em diferentes regiões do império.
Através de materiais disponíveis no local, como lã de camelo e algodão, os khipukamayuqs – quéchuas para os fabricantes de nós – codificavam dados administrativos, como números de censos e a alocação de impostos em sequências distorcidas nessas folhas de cálculo.
Os burocratas Incas utilizavam esses dados para controlar o maior império das Américas pré-Colombianas. Sabe-se desde há um século que os quipo contáveis seguem um esquema base de 10 nós – uma espécie de ábaco feito de corda. No entanto, estes nós quantitativos representam apenas dois terços das amostras que restam nos dias de hoje.
O terço restante dos nós – conhecido por narrativa de quipo – parece incluir informações narrativas codificadas de origem não numéricas, incluindo nomes, histórias e até filosofias antigas. Para os amantes de quebra-cabeças, a narrativa de quipo é uma dádiva de Deus.
Por que são os quipos tão difíceis de descodificar?
Normalmente aprendemos a contar na escola através de objetos – blocos de madeira, Legos ou outros brinquedos. As operações de somar e subtrair envolvem empilhar esses objetos ou contá-los com os próprios dedos. Só depois é que as operações realizadas com os dedos se transformam em fórmulas bidimensionais.
No entanto, com este método de aprendizagem podemos perder a nossa capacidade de observar números representados de forma diferente a esses símbolos abstratos. Ou seja: há alguma coisa sobre o símbolo “7” relacionada com o significado do número 7?.
Em sentido oposto, o código quipo dos incas para o 7 tinha um tipo especial de nó, feito através do envolvimento da corda numa série de loops – sete voltas, especificamente.
Já na narrativa de quipo, os nós podem ter sido usados como identificadores qualitativos para pessoas ou ideias – podemos considerar a forma como cada um de nós é identificado através de um número de telefone, segurança social ou morada.
Assim, e tendo em conta que os mesmos números podem significar simultaneamente quantidades, identidades ou uma combinação de ambos, torna-se extremamente difícil saber qual a categoria do número que estamos a observar. Ou seja, um nó que sinaliza o número 3 reflete uma contagem de 3, identifica um morador local ou talvez um sistema de código-postal.
Alguns cientistas sugeriram que os nós poderiam codificar uma linguagem silábica.
Somos ensinados desde tenra idade que a matemática e a linguagem são dois mundos distintos. Os Incas, em sentido oposto, criaram uma construção tridimensional – uma conquista de uma civilização complexa na forma de narrativa de cordas.
A linguagem através de quipo pode parecer estranha mas, os Incas, que eram os herdeiros de uma longa tradição de tecelagem com fios de algodão e camelídeos, eram únicos e altamente criativos na sua abordagem para documentar a linguagem.
O quipo constitui um dos mais antigos repositórios de dados tributários do mundo, associado a nomes, faixas de impostos e informações sobre famílias através de nós.No império Inca, e depois da conquista espanhola em 1532, a verificação de dados tributários era uma realidade muito presente.
Este é capaz de ser o sudoku do mundo antigo, um quebra-cabeça avançado cheio de números e palavras, que nos faz repensar sobre as civilizações antigas. Talvez estas civilizações não fossem tão assim “primitivas”, pois ainda hoje nos deixam confusos sobre a forma como comunicavam.
Segundo a Tech Times, em janeiro de 2018, Gary Urton e Manuel Medrano, antropólogos da Universidade de Harvard, os EUA, descobriram alguns documentos em San Pedro de Corongo, no Peru.
Nestes papéis, era revelada a forma como os conquistadores espanhóis forçavam os khipukamayuqs a narrar o seu sistema de khipus, enquanto um escriba os anotava em papel. Um dos documentos era um registo em espanhol com uma lista de recenseamento de 132 contribuintes, todos identificados pelo nome.
Os investigadores compararam o documento encontrado com seis khipus recuperados de um outro documento que estava enterrado na mesma área e descobriram uma correspondência: os nós dos khipus correspondiam às figuras listadas no documento espanhol.
ZAP // Science Alert