Cientistas: cuidado ao escolher imagens

As diferenças óbvias entre brancos e negros, ricos e pobres. A fotografia é uma ferramenta poderosa na narrativa e na comunicação científica. Mas pode causar danos.

A imagem nem sempre vale mais do que mil palavras. Mas é importantíssima em diversos contextos – o ZAP que o diga, por exemplo.

Na comunidade científica a fotografia é uma ferramenta poderosa na narrativa e na comunicação científica. Mas também pode causar danos se for utilizada de forma anti-ética.

Um estudo publicado na revista científica The Lancet analisou a utilização de imagens em assuntos de saúde global, focando-se em documentos sobre doenças infecciosas.

Foi realizada uma análise empírica da utilização de imagens pelos principais actores da saúde global – que definem políticas e estratégias globais; sobretudo de imagens usadas em relatórios sobre vacinação e resistência antimicrobiana.

Quatro factores foram avaliados: relevância, integridade, consentimento e representação.

Foram analisadas 859 fotografias de pessoas que foram apresentadas em 118 documentos públicos de 14 actores globais da saúde, publicados entre 2015 e 2022.

Dois terços dessas imagens tinham pessoas negras. 90% deste sector tinham crianças.

No geral, a equipa de investigadores reparou que a maioria das narrativas dá sinais de desequilíbrio social, de poder: sugere que as mulheres e as crianças de países mais pobres (e negras, quase sempre) têm menos dignidade, respeito e poder do que os habitantes de países mais desenvolvidos.

Em imagens com negros, eram retratados momentos espontâneos, do dia-a-dia real: adultos e crianças a serem tratados por médicos ou enfermeiros, outros em situação de angústia, outros a realizarem exames médicos.

Em imagens com brancos, predominavam os cenários estéreis, muitas vezes encenados e com actores.

Também foram verificados diversos casos de utilização de imagens sem o devido consentimento das pessoas visadas (que foram também publicadas fora do contexto original). Isto aconteceu sobretudo com crianças.

A autora principal do estudo, Esmita Charani, escreveu no portal The Conversation sobre a origem deste estudo.

A sua equipa foi convidada por um grupo de infectologistas, que queriam realizar uma apresentação sobre resistência a antibióticos. Público-alvo: uma empresa de clínicas no leste da África.

Os investigadores viram que a empresa que os convidou tinha utilizado uma imagem de mulheres negras africanas em trajes tradicionais, que parecia que estavam a dançar e segurando velas brancas. Eram mulheres na Nigéria a ir para uma igreja.

“Ficámos confusas e avisámos que aquela fotografia não era adequada para o nosso trabalho. Fomos informados de que se tratava de imagens padrão verificadas para uso em saúde global dentro daquela empresa”, relata Esmita.

A partir daí, foram à procura de mais exemplos e encontraram claras “evidências de desequilíbrios de poder em raça, geografia e género”.

Os investigadores descobriram mais tarde uma “lacuna crítica”: não há qualquer padrão de ética sobre a utilização de fotografias de pessoas em comunicações sobre saúde global.

“Embora o conceito de confidencialidade do paciente seja bem cumprido em muitos países, a saúde global parece escapar às regras”, avisa a professora.

E depois há outro alerta: “As práticas actuais de uso de fotografias de pessoas na saúde global correm o risco de perpetuar atitudes enraizadas no colonialismo e reforçar estereótipos raciais. Podem reforçar as narrativas do “salvador branco”, vergonha, apropriação cultural e exotismo cultural”.

Por isso, a autora do estudo deixa quatro sugestões principais: confirmar que a imagem é pertinente, assegurar a dignidade e a privacidade das pessoas, ser transparente no consentimento da pessoa fotografada e assegurar uma representação equitativa e precisa dos indivíduos, para combater os estereótipos.

ZAP //

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