“Ilha perdida de Atlântida” guarda os segredos de um dos maiores enigmas da Antropologia

ZAP // Coastlines of The Ice Age

Linhas costeiras do super-continente Sahul — incluindo a atual Austrália

Há 27.000 anos, quando o planeta desceu à última Idade do Gelo, as calotas polares cresceram e o nível do mar desceu, expondo o vasto território do super continente Sahul pela primeira vez em 100.000 anos — e as paisagens perdidas onde poderão ter vivido mais de meio milhão de pessoas.

Nas obras de Platão, filósofo grego que viveu há cerca de 2.400 anos, dizia-se que a ilha de Atlântida tinha sido engolida pelo Oceano Atlântico, depois de a arrogância do seu povo ter irritado os deuses.

Embora Atlântida fosse fictícia, a ideia de que civilizações inteiras podem desaparecer sob as ondas tem-nos intrigado durante milénios.

Agora, tecnologias inovadoras estão a revelar locais reais em todo o mundo que os nossos antepassados foram forçados a abandonar antes de serem engolidos pelos oceanos.

Uma dessas ‘Atlântidas’ perdidas foi encontrada a norte da Austrália, durante um estudo conduzido por investigadores da Universidade de Griffith e publicado em janeiro de 2024 na Quaternary Science Reviews.

No auge da última Idade do Gelo, há cerca de 21.000 anos, o continente da Austrália era cerca de 20 % maior do que é hoje. Com mais água retida nos mantos de gelo e glaciares, os níveis do mar eram cerca de 120 m mais baixos.

Este nível mais baixo das águas do mar deixava expostos 2.000.000 km² adicionais de terra, que ligava a Austrália à Nova Guiné no norte e à Tasmânia no sul, criando um supercontinente conhecido como Sahul.

A Plataforma Noroeste de Sahul era uma vasta massa terrestre que cobria 400.000 km² (154.000 milhas quadradas) – pouco mais de 1,5 vezes o tamanho do Reino Unido – e ligava-se à atual região de Kimberley no norte da Austrália Ocidental, e à região de Arnhem Land no Território Norte da Austrália.

Muitos arqueólogos têm argumentado que essas paisagens antigas eram ambientes improdutivos e não foram muito utilizadas pelos primeiros povos aborígenes. Mas estudos recentes estão a desafiar esta suposição há muito mantida.

Um desses casos é o do estudo de 2024, que concluiu que a vasta extensão de território exposto durante a Idade do Gelo tinha boas condições de habitabilidade para humanos.

A região agora submersa pode também guardar os segredos de um dos maiores enigmas da antropologia.

Situada junto a alguns dos sítios arqueológicos mais antigos conhecidos na Austrália, a Plataforma Noroeste de Sahul tem sido há muito reconhecida como um provável ponto de entrada para as primeiras pessoas que chegaram ao continente, há cerca de 65.000 anos.

Agora, está em curso uma corrida para descobrir os tesouros escondidos desta terra semelhante a Atlântida, antes que sejam destruídos para sempre.

Paisagens perdidas, civilizações submersas

Há cerca de 27.000 anos, quando o planeta desceu à última Idade do Gelo, as calotas polares cresceram e o nível do mar desceu, expondo as paisagens baixas da Plataforma Noroeste de Sahul pela primeira vez em 100.000 anos.

“Os arqueólogos só conseguem especular sobre a natureza das paisagens submersas que as pessoas percorriam antes do fim da última Idade do Gelo, e o tamanho das suas populações”, diz Kasih Norman, investigadora no Instituto Max Planck de Geoantropologia e primeira autora do estudo, à BBC Science Focus.

No decorrer do estudo, os investigadores combinaram dados de sonar com modelação computacional para examinar a Plataforma Noroeste com detalhe sem precedentes.

A equipa sobrepôs estimativas dos níveis do mar passados em mapas existentes de alta resolução do fundo do oceano para visualizar como a região teria sido há dezenas de milhares de anos.

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Mapa do supercontinente de Sahul

A análise revelou uma paisagem rica e variada de rios, lagos, vales e desfiladeiros. “Ver essas paisagens submersas e imaginar as pessoas que vaguearam por elas durante a última Idade do Gelo realmente incendiou a minha imaginação“, diz Norman.

A região também tinha um grande mar interior, chamado Mar Malita, que cobria uma área de mais de 18.000 km² (7.000 milhas quadradas).

Norman e os colegas usaram modelação computacional para estimar quão produtivas essas paisagens teriam sido e quantas pessoas poderiam ter vivido no local, entre 71.000 e 15.000 anos atrás.

Descobriram que no auge da última Idade do Gelo, quando toda a Plataforma Noroeste era terra seca, a região tinha a capacidade de sustentar uma população de mais de 500.000 pessoas.

Em várias ilhas que permanecem, espalhadas ao longo do que foi outrora a costa de Sahul, evidências arqueológicas apoiam a teoria de que a Plataforma Noroeste foi usada regularmente por sociedades aborígenes.

As estimativas populacionais da equipa também estão em linha com um estudo de dados genéticos de povos indígenas que vivem nas Ilhas Tiwi, que ficam a leste da Plataforma Noroeste de Sahul, publicado em 2023 na revista Nature.

Esse estudo encontrou evidências de uma grande população nas ilhas há 20.000 anos, seguida de um declínio populacional no final da última Idade do Gelo.

Como eram as vidas das pessoas que viviam nesta paisagem agora submersa? “Esta é realmente a questão fundamental”, diz Sean Ulm, investigador da Universidade James Cook, especializado em arqueologia costeira e subaquática.

“Há extraordinária diversidade social, cultural e tecnológica entre as sociedades aborígenes contemporâneas e recentes. Temos de assumir que também foi esse o caso no passado”, diz ele.

“O que sabemos é que essas sociedades que viviam nas plataformas continentais emergidas da Austrália viajavam longas distâncias de e para a costa, e estavam ligadas a sociedades distantes do interior através de redes comerciais”, conclui Ulm.

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