As ilhas onde se faz um dos melhores chocolates do mundo (com dedo português)

Everjean / Wikimedia

O crescimento do movimento independentista no Brasil fez com que Portugal apostasse na produção de chocolate em São Tomé e Príncipe, que até hoje é um dos melhores produtores do mundo.

Em menos de meia hora na fábrica de chocolate de Claudio Corallo na cidade de São Tomé — a escaldante capital de São Tomé e Príncipe —, percebe-se que tudo o que sabemos sobre chocolate estava errado.

Corallo é italiano, tem 72 anos e conta com diversas criações — pedaços de chocolate delicadamente entalhados sobre uma tábua, à espera de ser provados. O seu chocolate 100% cacau é forte, mas não amargo. E, quanto mais tempo ele fica dentro da boca, mais suave se torna.

“Forte e amargo não são a mesma coisa”, afirma. “Nós aprendemos que o bom chocolate é escuro e amargo, mas amargo é errado e escuro é queimado.”

Uma das criações chamava-se Ubric 1, um chocolate 70% cacau com uvas passas destiladas em polpa de cacau, aquela pasta branca do interior da fruta. Corallo descreve o aroma da polpa como “o mais fresco e estimulante” que ele conhece.

Não surpreende que o jornal italiano Corriere della Sera tenha considerado Claudio Corallo “um dos melhores fabricantes de chocolate do mundo”.

São Tomé e Príncipe é o segundo país mais pequeno de África, atrás apenas das ilhas Seychelles. Mas, há pouco mais de 100 anos, esta minúscula nação composta por duas ilhas era o maior produtor de chocolate do mundo.

Agora, diversos produtores como Corallo estão a revitalizar o comércio de cacau, utilizando variedades antigas, plantações históricas e o clima do país, favorável ao cultivo do cacau, para criar produtos de chocolate orgânico.

Corallo estudou agronomia tropical em Florença, a sua cidade-natal na Itália. “Eu sonhava com florestas tropicais quando era criança”, diz.

Durante mais de 30 anos, cultivou café no Zaire (hoje, República Democrática do Congo), até se mudar para São Tomé e Príncipe quando a situação política no antigo país se deteriorou, nos anos 1990. Corallo queria usar os seus conhecimentos sobre café para criar um chocolate com alto teor de cacau que não fosse amargo.

Encontrou os cacaueiros que procurava na fazenda Terreiro Velho na ilha do Príncipe, a menor e mais preservada do país. Foi ali, a cerca de 130 quilómetros a nordeste de São Tomé, que se estabeleceu para aperfeiçoar o processo.

Os fabricantes de chocolate artesanal usam técnicas diferentes durante as principais fases — colheita, fermentação, secagem e torrefação — para criar diferenças subtis de sabor. A técnica de Corallo combina o trabalho demorado e o seu próprio instinto.

Corallo retira manualmente o tegumento (a casca amadeirada que cobre cada amêndoa de cacau) e a sua raiz dura e amarga. Muito poucos fabricantes de chocolate se dão ao trabalho de remover a raiz.

Em seguida, ele fermenta o cacau durante duas ou três vezes mais tempo do que o padrão. Já a torrefação é feita pela sua intuição, adquirida ao longo do tempo.

“O cacau é um produto vivo, ele quer ser conhecido, [ser] tratado corretamente”, explica Corallo.

“Para fabricar chocolate de alta qualidade, é preciso viver a sensação. Se a temperatura estiver baixa demais e o tempo de torra for muito longo, o cacau perde a alegria. Se as temperaturas forem apenas um pouco mais altas ou o tempo apenas um momento mais curto, ele fica amargo e pungente.”

Origens no Brasil colonial

As árvores que crescem na plantação de Corallo são descendentes dos primeiros cacaueiros de São Tomé e Príncipe.

Até o início dos anos 1800, só havia cacau na América Latina. Foi quando o rei de Portugal, D. João VI (1767-1826), percebeu que estava a ponto de perder o Brasil como colónia portuguesa.

Antevendo a perda da receita oriunda da indústria brasileira de cacau, ele ordenou que fossem embarcados cacaueiros para a colónia portuguesa mais segura de São Tomé e Príncipe.

As árvores chegaram à ilha do Príncipe em 1819. Rapidamente, vieram pessoas escravizadas do oeste africano e trabalhadores contratados de outras colónias portuguesas, particularmente Cabo Verde, Angola e Moçambique, para trabalhar nas plantações que surgiriam em seguida.

Os cacaueiros se desenvolveram no rico solo vulcânico. No início dos anos 1900, São Tomé e Príncipe era o maior exportador de cacau do mundo, o que lhe valeu o apelido de “Ilhas do Chocolate”.

Mas as condições de vida desses trabalhadores contratados eram tão más e o seu tratamento pelos senhores da terra era tão brutal que, em 1910, os fabricantes de chocolate britânicos e alemães boicotaram o “cacau português”, o que levou ao declínio das plantações locais.

As roças foram completamente abandonadas depois de São Tomé e Príncipe conquistar a sua independência de Portugal, em 1975. Agora, elas estão em variáveis estados de decadência, com os seus esqueletos de betão a serem lentamente consumidos pela floresta.

“O seu sabor é muito bom”

A Roça Sundy já foi a segunda maior fazenda da ilha do Príncipe. Lá, as raízes das paineiras escalam as paredes dos armazéns destelhados. As construções podem ter visto dias melhores, mas a vida em Sundy continua.

A roça é o lar de cerca de 300 pessoas, descendentes dos primeiros trabalhadores contratados que trabalharam ali. Todas elas irão mudar-se no final do ano para a Terra Prometida — um empreendimento recém-construído, com eletricidade e água corrente. Mas, por enquanto, ainda vivem nas senzalas.

Apesar da simplicidade das suas instalações, Sundy é uma comunidade vibrante. Muitos dos homens trabalham na plantação que se estende atrás do jardim, em direção ao mar.

“Com os portugueses, tudo isso eram monoculturas, com setores separados de cacau, coco e café”, afirma Jon McLea, diretor agrícola da empresa de ecoturismo e agroflorestamento HBD Príncipe, que agora é dona da Roça Sundy e transformou a antiga casa grande da fazenda num hotel.

O chocolate recebe a marca Paciência Organic. Paciência era uma das plantações satélite da Roça Sundy no auge da indústria cacaueira do local. Agora, é uma fazenda orgânica administrada pela HBD. A fazenda e a Fábrica de Chocolate estão abertas para os visitantes.

“Transformar cacau cultivado na floresta tropical em chocolate e noutros produtos baseados em cacau é uma das iniciativas alinhadas com a nossa visão de desenvolvimento socioeconômico sustentável da ilha do Príncipe”, afirma a diretora de sustentabilidade da HBD, Emma Tuzinkiewicz. “Estamos a dar oportunidades de emprego enraizadas na riqueza natural da ilha.”

A HBD emprega mais de 500 pessoas na ilha do Príncipe e construiu as novas casas na Terra Prometida. E, ao cultivar o cacau na floresta tropical, eles também trabalharam muito para manter a maior biodiversidade possível na sua plantação.

“Sabemos que o sabor do nosso chocolate será apenas tão bom quanto a forma em que tratamos a Terra por aqui”, afirma Tuzinkiewicz. “E o seu sabor é muito bom.”

ZAP // BBC

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