A fórmula, hoje, é mundialmente conhecida: uma solução simples de açúcar, sal e água. Uma mistura que pode ter salvo 50 milhões de pessoas.
Açúcar, sal, água. Encontrar um equilíbrio entre estes elementos foi a proeza essencial da receita do soro caseiro, e o médico Norbert Hirschhorn teve um papel-chave na descoberta das medidas certas na sua preparação.
E uma história emblemática: em 1983, depois de dois dias com diarreia, um bebé egípcio de três meses não tinha forças sequer para levantar a cabeça e mamar no peito da mãe.
Os médicos temiam o pior. A diarreia grave é uma das principais causas de morte nos países em desenvolvimento.
Mas com um tratamento simples, pouco mais de quatro horas depois, o pequeno bebé egípcio já estava suficientemente bom para retomar a amamentação – tudo graças a uma solução barata de açúcar com sal em água.
Norbert Hirschhorn descreve a mudança no Mundo causada pela terapia de reidratação oral, ou soro caseiro, como “incrível”.
“Entramos numa sala uma criança, ou um adulto, estão às portas da morte. Eles têm os olhos fundos, respiram aceleradamente, a pele e as unhas estão azuladas”, conta Hirschhorn à BBC.
Ver alguém recuperar-se de repente depois de tomar o soro “é como ver Lázaro voltar dos mortos – um milagre”, diz Hirschhorn.
A medida certa
Hirschhorn envolveu-se na investigação da terapia de reidratação oral em 1964.
Na altura, o médico prestava serviço militar nos Estados Unidos, no serviço público de saúde, e foi enviado para o que é hoje o Bangladesh, que sofria de uma grave epidemia de cólera.
A cólera causa diarreia grave e os pacientes perdem rapidamente muita água e sais. Os infectados ficam extremamente desidratados e podem entrar em choque e morrer em poucas horas.
Na região, 40% dos moradores com cólera estavam a morrer.
À época, o tratamento de reidratação era administrado por via intravenosa, no hospital. Era caro, e muitas vezes, fora do alcance dos que mais precisavam dele.
O objetivo era encontrar uma maneira de dar o tratamento por via oral e assim ajudar muito mais gente.
Outros tinham antes tentado encontrar o equilíbrio certo de açúcar, sais e água para um tratamento oral. Hirschhorn trabalhava com o capitão Robert Phillips, que tinha tentado ele próprio anos antes, sem sucesso, encontrar uma mistura correcta.
Vários pacientes morreram durante os testes.
“Phillips já havia tentado a solução quando estava na Marinha em Taiwan e nas Filipinas, mas não acertou na medida, que era muito concentrada, e piorou as coisas“, disse Hirschhorn.
Phillips tinha por isso bastante receio de deixar Hirschhorn avançar com a sua própria investigação.
O trabalho de Hirschhorn baseou-se nos estudos de Phillips e de outro colega, David Sachar, que tinha mostrado que o corpo poderia transportar sódio desde que fosse adicionada glicose – algo fundamental no combate à desidratação.
Mas a proporção correta era fundamental. Uma quantidade maior ou menor de qualquer um dos ingredientes poderia fazer com que a solução não apenas não funcionasse, mas ainda causasse danos mais graves.
“As proporções são cruciais. Para obter a absorção ideal de água, precisamos da mesma quantidade de glicose e sódio“, conta Hirschhorn.
Mas os resultados provaram que a combinação funcionava e a proporção certa estava encontrada.
No hospital e em casa
Hirschhorn conta que ninguém acreditava que uma mistura tão simples pudesse ser tão eficaz. “A sua simplicidade era a sua própria inimiga. Levou muito tempo, muito tempo para convencer os pediatras de que era segura.”
A publicação científica Lancet descreveu a terapia de reidratação oral como “potencialmente o avanço médico mais importante do século XX”.
A UNICEF, fundo da ONU para infância, diz que nenhuma outra inovação médica do século “teve o potencial de evitar tantas mortes num curto período de tempo e com um custo tão pequeno”.
Agora, a eficácia é mundialmente conhecida e usada por médicos em clínicas no mundo inteiro e em casa por pais que tratam de filhos desidratados.
As medidas: 8 colheres de chá de açúcar e 1 colher de chá de sal para cada litro de água.
Hirschhorn fez um pequeno estudo, com apenas 8 pacientes, no qual a terapia de reidratação foi aplicada usando uma sonda nasogástrica.
Segundo a OMS, a diarreia é a segunda principal causa de morte de crianças menores de cinco anos, responsável pela morte de cerca de 760 mil crianças por ano.
Salvar milhões de pessoas – e o bebé de um taxista
Hirschhorn conta a história de uma viagem que fez ao Egito, muitos anos depois de o seu trabalho clínico ter permitido o uso do soro caseiro.
Durante uma viagem de táxi, no Cairo, o taxista contou-lhe que o seu filho, em bebé, tinha tido uma terrível diarreia e tinha sido salvo pelo soro caseiro num centro de reidratação oral.
Hirschhorn lembrava-se.
Esse bebé, o bebé egípcio do inicio da nossa história, tinha sobrevivido, crescido, estudado, e é hoje um jovem médico, que faz investigação científica nos Estados Unidos.
“Este episódio”, diz Hirschhorn, ainda visivelmente emocionado, “teve um impacto muito grande em mim – tanto quanto todas as estatísticas juntas”.
ZAP / BBC