Da bajulação em funerais até médicos que só davam apoio moral. A história do efeito placebo

Wellcome Images

O efeito continua a ser usado nos estudos científicos que são feitos hoje, apesar de levantar dúvidas a nível ético. Já desde o XVII que os clínicos usam o placebo para aliviar a ansiedade dos pacientes.

É um dos fenómenos mais fascinantes da Medicina que deixa claro o poder da nossa mente e é o exemplo vivo da expressão “fake it till you make it“, que significa, na língua de Camões, “finge até conseguires”.

O efeito placebo refere-se a um tratamento que, na verdade, não o é — ou seja o paciente toma um comprimido, vacina ou até é submetido a uma “cirurgia” que não têm efeito algum na sua maleita. No entanto, simplesmente pensar que recebemos um tratamento acaba por, em muitos casos, verdadeiramente curar a pessoa.

O placebo é tão eficaz que continua até a ser usado nos estudos científicos actuais para se comparar com tratamentos verdadeiros — apesar de já não ser geralmente receitado pelos médicos, que consideram que recomendar um tratamento falso é pouco ético. Afinal, de onde veio o efeito placebo?

A palavra é de origem latina, vinda da conhecida expressão “Placebo Domino in regione vivorum“, que se traduz para “Vou agradar ao Senhor na terra dos vivos”. Ao longo dos anos, placebo começou a ser sinónimo de “lisonjear”.

Por exemplo, fazer placebo num funeral seria algo como fingir conhecer a pessoa morta para conseguir uma refeição grátis, já que se teria de “lisonjear” a família da pessoa para esse fim.

A palavra acabou por ser usada em qualquer contexto onde há bajulação a outros, independentemente se esta é sincera ou não. Mesmo que a pessoa não fosse amiga do falecido, a família fica agradada ao acreditar que esta era.

Pela mesma lógica, mesmo que um medicamento não funcione, o paciente fica feliz ao acreditar que está a ser curado. Com o passar dos anos, os médicos ganharam também uma função social — mais do que curar os pacientes, tinham também a responsabilidade de os fazer sentir melhor e de lhes dar paz interior.

Foi neste contexto que se começou a dar placebos a pacientes que não se podia tratar, na esperança de que pelo menos a ideia de que estão a ser medicados lhes aliviasse a ansiedade. Os médicos passaram a dar placebos para satisfazerem as exigências dos pacientes ou para acabarem com boatos de que se recusavam a tratar os doentes.

A primeira vez que o termo placebo foi usado em relação a um tratamento médico foi no século XVII, no livro Bath memoirs: or, Observations in Three and Forty Years Practice do clínico Robert Pierce, onde este descreve um “Dr. Placebo” que tratava os pacientes ao dar-lhes apoio psicológico e não lhes passava remédios verdadeiros.

Em 1752, surge o primeiro registo de uma receita de um medicamento Placemus (sinónimo de placebo) a um paciente, pela mão do obstetra escocês William Smellie. “Será conveniente receitar um Placemus inocente, para que ela possa tomar entretanto para enganar o tempo e agradar à sua imaginação“, escreveu.

Apesar das motivações nobres dos médicos que queriam deixar os pacientes descansados, o uso de placebo também é muito criticado por ser considerado enganador. No entanto, há quem refute esta acusação e defenda o “paradoxo do placebo” — se usar um placebo não é ético, recusar usar um tratamento que funciona também não é ético. E se o placebo resulta em alguns casos, para quê evitá-lo?

Um dos exemplos mais famosos do placebo são os tratores de Perkins, que consistem em varas de metal que supostamente “arrancavam a doença do corpo”. Eram tão populares que até se especula que George Washington tinha um, mas esta popularidade não acalmou a pulga atrás da orelha do médico britânico John Haygarth, que em 1799 pôs os equipamentos à prova.

O clínico tratou pacientes com tratores verdadeiros e outros falsos que se pareciam com os verdadeiros. Quatro dos cinco indivíduos tratados com os tratores falsos disseram que sentiram melhorias no reumatismo depois do tratamento, o que levou a que o médico suspeitasse que a melhoria tinha sido causada apenas pela crença dos doentes e não pelo equipamento em si, relata o Ancient Origins.

O uso do efeito placebo ganhou cada vez mais popularidade. Em 1920, um artigo científico na The Lancet já tinha usado o termo e o anestesiologista Henry Beecher disse que na II Guerra Mundial viu muitos casos em que as enfermeiras que ficavam sem morfina injectavam salina nos soldados feridos e que estes diziam na mesma que sentiam um alívio da dor.

No futuro, ainda são precisas mais experiências que avaliem a eficácia dos tratamentos com placebo em comparação com tratamentos verdadeiros ou com a ausência de qualquer tratamento. E, quem sabe, talvez a ciência venha mesmo a dar razão a John Stuart Mill quando este dizia que o indivíduo é soberano sobre o seu corpo e mente.

Adriana Peixoto, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.