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Há fortes evidências de que o álcool danifica diretamente o ADN (e pode provocar cancro)

Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

Os cientistas sabem há um tempo que o consumo de álcool leva a um aumento do risco de cancro. Uma nova pesquisa da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, encontrou uma explicação plausível para isso.

Num novo estudo com ratos, uma equipa de cientistas descobriu que o álcool danifica diretamente o ADN em células estaminais formadoras de sangue. O dano pode-se espalhar pelos tecidos do corpo, aumentando as probabilidades do desenvolvimento de cancro.

Os cientistas deram álcool diluído, ou etanol, a ratos, e usaram análise cromossómica e sequenciamento de ADN para avaliar os danos genéticos no organismo dos animais.

A equipa descobriu que o culpado era um composto químico chamado acetaldeído, um subproduto do processo de metabolização do álcool. O acetaldeído pode danificar e causar rupturas no ADN dentro das células, alterando-o permanentemente.

As células estaminais sanguíneas foram utilizadas na análise porque podem ser facilmente replicadas para estudo do ADN, e também porque podem espalhar os danos genéticos por todo o corpo.

Outras pesquisas já tinham indicado que o acetaldeído causava danos no ADN, mas essas experiências tinham sido realizadas em células em placas de Petri e não em corpos vivos. O novo estudo permitiu aos cientistas observar a forma como o organismo responde a esse dano.

De acordo com o principal autor do estudo, Ketan Patel, a questão de como o álcool causa danos no organismo era controversa. “Este artigo fornece provas muito fortes de que um metabolito do álcool provoca danos ao ADN, inclusive para as células estaminais mais importantes que continuam a fazer tecidos”, disse Patel.

Quando consumimos álcool em grandes quantidades, o corpo luta para metabolizar o acetaldeído, e este composto químico acumula-se nas células. Este é o momento em que pode causar um enorme estrago no ADN.

O corpo tem uma defesa contra o acetaldeído: um grupo de enzimas chamado aldeído-desidrogenase (ALDH). Quando funcionam corretamente, neutralizam o acetaldeído e convertem-no em acetato, que o corpo pode usar como energia.

A fim de ver como o acetaldeído afeta as células quando se acumula, a equipa teve que modificar geneticamente os ratos com uma mutação que impediu as células estaminais do sangue de produzir uma dessas enzimas, ALDH2.

“Vimos grandes danos no ADN nessas células. Pedaços de ADN foram apagados, quebrados e até mesmo partes de cromossomas foram movidas e reorganizadas”, explicou Patel.

Os ratos deficientes em ALDH2 tiveram quatro vezes mais danos celulares que os ratos do grupo de controlo com produção normal de ALDH2.

O corpo também possui um segundo tipo de defesa, um sistema de reparo que trabalha para tentar corrigir os danos causados no ADN. Mas algumas pessoas têm mutações onde uma ou ambas as defesas não funcionam.

Por exemplo, cerca de 540 milhões de pessoas na Ásia carregam uma mutação no gene ALDH2, o que significa que não podem processar o acetaldeído. Essa condição faz com que não consigam beber álcool, ficando muito vermelhos quando o fazem – daí o facto da mutação ser conhecida como “Asian Flush” (algo como “vermelhidão asiática”). Quem a possui tem maior risco de desenvolver cancro no esófago.

Além dessa mutação, outros tipos de condições que fazem com que as pessoas não sejam capazes de processar o álcool efetivamente levam a um risco ainda maior de danos no ADN relacionados com as bebidas e, portanto, de certos tipos de cancro.

É importante lembrar, no entanto, que os sistemas de reparo não são perfeitos, de forma que o álcool ainda pode causar cancro de outras formas, mesmo em pessoas com os mecanismos de defesa intactos.

O próximo passo da pesquisa é descobrir a ligação entre o consumo de álcool a alguns tipos de cancro em específico, como de boca, garganta, esófago, laringe, mama, fígado e intestino, mesmo com pequenas quantidades de álcool.

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