Todas as mulheres que vivem nesta ilha e querem abortar de forma legal só têm uma saída: ir de Guam até o Havaí. O voo percorre cerca de 6 mil quilómetros e demora quase oito a chegar ao seu destino. As passagens podem custar mais de 1.000 dólares.
O último Provedor de aborto conhecido nesta ilha – que é território dos EUA – aposentou-se em 2018. Desde daí, as 160.000 pessoas que chamam Guam de casa, nunca mais conseguiram legalmente na ilha, avança o Vice.
A saída de Guam para ir realizar um aborto desencadeia vários obstáculos que só pioraram desde o início da pandemia do novo coronavírus. Viajar deixou apenas de ser perigoso e caro. Agora, quem sai da ilha tem de cumprir uma quarentena de 14 dias.
A verdade é que as habitantes de Guam que desejem interromper a gravidez teriam a possibilidade de se submeter a um aborto através do uso de medicamentos específicos, que são induzidos em pílulas e podem ser administrados até às 10 semanas de gestação.
Contudo, para que este processo ocorresse dentro da legalidade, um Provedor, que não existe em Guam, precisaria de prescrever e enviar os comprimidos para a ilha. O único entrave ao processo é o facto de existirem duas leis antigas que o tornam ilegal.
Se essas leis não estivessem em vigor, dois médicos, que residem no Havaí, mas que são licenciados em Guam, garantem que poderiam prescrever as pílulas que induzem ao aborto, através da telemedicina.
Os dois médicos, representados pela American Civil Liberties Union, processaram o Procurador-Geral de Guam e vários outros funcionários do território devido às restrições que ainda existem ao aborto.
“O direito ao aborto legal não tem sentido se as pessoas não puderem receber os cuidados de que precisam”, referiu Alexa Kolbi-Molinas, advogada do Projeto de Liberdade Reprodutiva da ACLU.
Esta não é a primeira vez que o acesso ao aborto se extinguiu em Guam – ilha que se carateriza por ser fortemente católica.
Em 1990, o território proibiu o aborto, exceto quando a gravidez colocasse em risco a vida da mãe ou “prejudicasse gravemente” a sua saúde. Estas restrições mais rígidas fizeram com que várias mulheres tentassem interromper as gravidezes de uma forma irresponsável e isso levou a que algumas coisas mudassem.
Entre 2008 e 2017, cerca de 300 abortos por ano foram realizados em Guam, de acordo com o processo da ACLU. A maioria ocorreu no primeiro ou segundo trimestre da gravidez.
Bliss Kaneshiro e Shandhini Raidoo, os médicos do Havaí que estão por trás do processo, estimam que antes de 2018 os Provedores de aborto no Havaí atendiam no máximo um paciente de Guam por ano, sendo que normalmente a gravidez dessa pessoa incluía uma anomalia fetal que exigia uma consulta com um especialista.
Atualmente, os médicos recebem com frequência várias chamadas de pessoas que estão em Guam e que querem abortar, mas não podem, ou porque no território não é permitido, ou porque não têm dinheiro nem condições para sair da ilha e deslocarem-se até ao Havaí.