A medida integra a Agenda Anti-Corrupção, que está a ser criada pelo Governo em colaboração com os restantes partidos. No entanto, há o risco de violar o princípio constitucional da presunção da inocência.
A Agenda Anti-Corrupção, que vai ser aprovada esta quinta-feira no Conselho de Ministros, inclui uma proposta para que suspeitos de corrupção possam ter os seus bens arrestados, mesmo sem o pressuposto da condenação.
Segundo o Correio da Manhã, o objectivo da medida é evitar que os corruptos fiquem com os espólios dos seus crimes. A proposta baseia-se numa lei já existente desde 2002 e na Diretiva (UE) 2024/1260, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de abril de 2024.
Estes diplomas já preveem a perda das vantagens obtidas por crimes, especialmente quando há uma discrepância entre o património real e os rendimentos declarados ao Fisco e a presunção de que os bens são oriundos de atividades ilegais. O arguido, no entanto, pode contestar a suposição e provar o contrário.
As propostas exigem ainda alterações no enquadramento processual da perda de bens, harmonizando os instrumentos legais existentes que regulamentam a prevenção e repressão da perda de património.
A Agenda Anti-Corrupção era uma promessa eleitoral da AD e está a agora a ser desenhada com a colaboração dos restantes grupos parlamentares, de organizações dedicadas ao combate à corrupção e entidades públicas relevantes, com as negociações a serem encabeçadas pela Ministra da Justiça, Rita Júdice.
Apesar de toda esta colaboração, a medida pode vir a sofrer um revés na justiça, já que a confiscação dos bens antes de uma condenação pode violar o princípio da presunção da inocência, tal como aconteceu com a lei do enriquecimento ilícito.
A criação de um crime de enriquecimento ilícito ou injustificado é discutida desde o Governo de José Sócrates e foram aprovadas várias propostas no Parlamento durante os executivos de Passos Coelho e Costa. Contudo, o Tribunal Constitucional chumbou sempre a medida, que obrigaria pessoas ou empresas com discrepâncias entre o património e as declarações de rendimentos a explicar a origem dos bens, mesmo que não estivessem a ser investigadas por algum crime em concreto.
“O TC entendeu que a incriminação do ‘enriquecimento injustificado’, tal como feita pelo decreto da Assembleia da República, não só não cumpre as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal como, ao tornar impossível divisar qual seja o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação, viola o princípio da necessidade de pena”, decidiram os juízes do Palácio Ratton em 2015.
O Governo da AD está ainda a preparar uma nova Estratégia Nacional Anti-Corrupção mais abrangente, tendo em mente a sua aprovação ao longo da legislatura.