Durante muito tempo, assumiu-se que grande pedaço do nosso genoma, talvez até 99%, era apenas “lixo” inútil porque não parecia codificar sequências de proteínas como o resto do ADN.
No entanto, uma quantidade cada vez maior de estudos está a começar a desafiar essa ideia, revelando a forma como o chamado “ADN escuro” pode realmente ajudar a regular como os genes são expressados e podem até mesmo ditar o desenvolvimento de determinadas condições.
Um novo estudo mostrou que as mutações no ADN não-codificante parecem estar associadas ao desenvolvimento do transtorno do espectro do autismo (TEA), uma condição que é conhecida por ter uma base genética forte, ainda que pouco elusiva.
Embora o mecanismo por trás dessa ligação ainda não seja claro, a descoberta destaca ainda a maneira como o “ADN escuro” pode não ser um lixo inútil, desempenhando um papel fundamental no autismo e noutras condições.
“Esta é a primeira demonstração clara de mutações não-herdadas e não-codificantes que causam qualquer doença ou distúrbio humano complexo“, disse Olga Troyanskaya, professora de ciência da computação e genómica na Universidade de Princeton, em comunicado divulgado no site da instituição.
De acordo com o estudo publicado na revista Nature Genetics, investigadores da Universidade de Princeton e da Rockefeller University usaram inteligência artificial (IA) para estudar os genomas de 1.790 famílias onde uma criança tinha ASD, mas outros membros da família o tinham.
O algoritmo de aprendizagem profunda ensinou-se a farejar secções relevantes do ADN e aprender a forma como qualquer sequência de ADN pode mudar as interações de proteína que afetariam a expressão gênica. Ao encontrar padrões, a IA pode prever o efeito da mutação de qualquer unidade química em todo o genoma e as probabilidades de afetar uma doença, conhecida como “índice de impacto da doença”.
“O que nosso trabalho realmente permite que se faça é pegar em todas estas possibilidades e classificá-las”, observou Christopher Park, cientista do Centro de Biologia Computacional do Instituto Flatiron. “A priorização em si é útil, porque agora também se pode ir em frente e fazer as experiências apenas nos casos de maior prioridade.”
Anteriormente, menos de 30% das pessoas com ASD tinham uma causa genética identificada. Estas novas descobertas mostraram que mutações no ADN alteraram a expressão de genes associados à transmissão sináptica e desenvolvimento neuronal no cérebro, o que parece levar a um aumento do risco de desenvolvimento de ASD. “Isto é consistente com a forma como o autismo se manifesta no cérebro”, acrescentou Park.
A equipa espera que estes resultados possam ser usados para estudar condições como distúrbios neurológicos, cancro ou doenças cardíacas. “Isso transforma a maneira como precisamos de pensar sobre as possíveis causas das doenças”, concluiu Troyanskaya. “Esse método fornece uma estrutura para fazer a análise com qualquer doença”.