Viajemos 7 mil milhões de anos para o passado: o auge da formação estelar do Universo está a começar a abrandar.
Qual terá sido o aspeto da nossa Galáxia, a Via Láctea, nessa altura?
Os astrónomos que utilizam o Telescópio Espacial James Webb da NASA encontraram pistas sob a forma de um ponto de interrogação cósmico, resultado de um alinhamento raro ao longo de anos-luz de espaço.
“Conhecemos apenas três ou quatro ocorrências de configurações semelhantes de lentes gravitacionais no Universo observável, o que torna esta descoberta excitante, uma vez que demonstra o poder do Webb e sugere que talvez agora encontremos mais destas”, disse o astrónomo Guillaume Desprez da Universidade de Saint Mary em Halifax, Nova Escócia, Canadá, membro da equipa que apresentou os resultados do Webb.
Embora esta região tenha sido observada anteriormente com o Telescópio Espacial Hubble da NASA, a galáxia vermelha e poeirenta que forma o intrigante ponto de interrogação só foi visível com o Webb. Isto resulta do facto dos comprimentos de onda da luz que o Hubble deteta ficarem presos na poeira cósmica, enquanto que os comprimentos de onda mais longos da luz infravermelha conseguem passar e ser detetados pelos instrumentos do Webb.
Os astrónomos utilizaram ambos os telescópios para observar o enxame de galáxias MACS-J0417.5-1154, que atua como uma lupa porque o enxame é tão massivo que deforma o tecido do espaço-tempo. Isto permite aos astrónomos verem mais pormenores em galáxias muito mais distantes atrás do enxame. No entanto, os mesmos efeitos gravitacionais que ampliam as galáxias também causam distorção, resultando em galáxias que aparecem espalhadas pelo céu em arcos e até aparecem várias vezes. A estas ilusões óticas no espaço chama-se lente gravitacional.
A galáxia vermelha revelada pelo Webb, juntamente com uma galáxia espiral com a qual está a interagir e que foi anteriormente detetada pelo Hubble, estão a ser ampliadas e distorcidas de uma forma invulgar, o que requer um alinhamento particular e raro entre as galáxias distantes, a lente e o observador – algo a que os astrónomos chamam uma lente gravitacional hiperbólica umbilical. Isto explica as cinco imagens do par de galáxias vistas na imagem do Webb, quatro das quais traçam o topo do ponto de interrogação. O ponto do ponto de interrogação é uma galáxia não relacionada que, por acaso, está no sítio e no espaço-tempo certos, da nossa perspetiva.
Para além de produzir um estudo de caso da capacidade do instrumento NIRISS (Near-Infrared Imager and Slitless Spectrograph) do Webb para detetar locais de formação estelar numa galáxia a milhares de milhões de anos-luz de distância, a equipa de investigação também não resistiu a destacar a forma do ponto de interrogação. “Isto é incrível. Foi por causa de imagens espantosas como esta que me interessei pela astronomia quando era jovem”, disse o astrónomo Marcin Sawicki da Universidade de Saint Mary, um dos principais investigadores da equipa.
“Saber quando, onde e como ocorre a formação estelar nas galáxias é crucial para compreender como as galáxias evoluíram ao longo da história do Universo”, disse o astrónomo Vicente Estrada-Carpenter da Universidade de Saint Mary, que usou os dados ultravioleta do Hubble e infravermelhos do Webb para mostrar onde se estão a formar novas estrelas nas galáxias. Os resultados mostram que a formação estelar é generalizada em ambas. Os dados espetrais também confirmaram que a galáxia poeirenta recém-descoberta está localizada à mesma distância que a galáxia espiral vista de face, e é provável que estejam a começar a interagir.
“Ambas as galáxias do par ‘ponto de interrogação’ mostram formação estelar ativa em várias regiões compactas, provavelmente resultado da colisão do gás das duas galáxias,” disse Estrada-Carpenter. “No entanto, a forma de nenhuma das galáxias parece muito perturbada, pelo que provavelmente estamos a ver o início da sua interação.”
“Estas galáxias, vistas há milhares de milhões de anos, quando a formação estelar estava no seu auge, são semelhantes à massa que a Via Láctea teria nessa altura. O Webb está a permitir-nos estudar como teria sido a adolescência da nossa própria Galáxia,” disse Sawicki.
As imagens e os espetros do Webb utilizados nesta investigação provêm do levantamento CANUCS (Canadian NIRISS Unbiased Cluster Survey). O trabalho de investigação foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
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