Sistema de Justiça “tem de ser reformulado”. Férias Judiciais já começaram

Durante um mês e meio, nas férias judiciais de verão, a generalidade dos processos sem arguidos presos vai ficar suspensa.

Durante as férias judiciais de verão só decorrem processos urgentes. Até 31 de agosto, a generalidade dos processos sem arguidos presos, independentemente da fase em que se encontrem, ficam suspensos.

Durante estas férias dos tribunais, que começaram na passada sexta-feira e vão durar um mês e meio, alguns casos mediáticos também ficam suspensos, como é o caso BES/ /GES e o julgamento de Rui Pinto, criador do Football Leaks.

Existem três períodos de férias judiciais por ano — dois mais curtos, na Páscoa e no Natal/Ano Novo, e um mais longo, no verão.

De acordo com os estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, os juízes e procuradores devem gozar os 22 dias de férias a que têm direito nestas paragens dos tribunais, aos quais somam mais um por cada década de serviço.

A instrução do processo BES/GES, que começou em abril, será retomada a 30 de setembro, com mais de 30 testemunhas por ouvir.

O ex-banqueiro Ricardo Salgado é um dos arguidos que está a tentar evitar ir a julgamento. O banco colapsou em 2014 e a acusação foi deduzida em 2020.

Já o julgamento de e Rui Pinto, criador assumido do site Football Leaks, iniciado a 4 de setembro de 2020, fica suspenso até 12 de setembro.

O dia será preenchido, em princípio, pelo interrogatório do denunciante. Até ao final de agosto, Rui Pinto vai continuar a consultar os discos apreendidos na PJ.

Dois meses depois, o julgamento do megaprocesso AIMinho-Associação Industrial do Minho, no Tribunal de Braga, fica suspenso até 1 de setembro.

O caso da alegada obtenção fraudulenta de subsídios conta com 122 arguidos e já há sessões agendadas até ao próximo ano. A investigação começou em 2012 e a acusação data de 2018, segundo relembra o Jornal de Notícias.

O julgamento do processo em que é arguido o ex-presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, Melchior Moreira, é outro dos que param durante as férias judiciais.

O caso tem 29 arguidos, acusados de desviarem ou receberem indevidamente um total de 620 mil euros. Em causa, segundo a acusação, está a viciação de procedimentos de contratação pública.

O debate instrutório do processo Máfia do Sangue, no qual Luís Cunha Ribeiro, antigo presidente do INEM, é arguido foi, na passada terça-feira, adiado quase três meses, apenas 30 minutos após o início, em Lisboa.

A defesa pediu para juntar documentos e o juiz concedeu dez dias para análise. A aproximação das férias judiciais acabou por adiar o debate para 3 de outubro.

O processo criminal sobre os incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, é um dos casos com decisão agendada para depois das férias. Um outro é o e-Toupeira, que envolve Paulo Gonçalves, ex-assessor da SAD do Benfica.

Adiadas quase 300 diligências por dia

Entre marcar vários vários julgamentos para a mesma hora, indisponibilidade de salas e falta inesperada de um arguido, testemunha ou advogado, no último ano e meio foram adiadas quase 300 diligências por dia.

Em 2021, foram realizadas 533.198 diligências e adiadas 99.030, sendo que a grande maioria não foi reagendada por motivos relacionados com a covid-19.

No último ano e meio foram adiadas cerca de 160 mil diligências nos tribunais e departamentos do Ministério Público (MP) — o que corresponde a uma média de 293 adiamentos por dia — quase um sexto do total de sessões agendadas.

Os dados foram fornecidos ao Jornal de Notícias pela Direção-Geral de Administração de Justiça (DGAJ), e mostram que apenas 3.821 diligências (3,9%) tiveram de ser reagendadas devido a contingências da pandemia.

Já este ano, a atividade nos tribunais e no MP subiu, tendo sido feitas, só entre 1 de janeiro e 30 de junho, 335.917 diligências, com 60.916 adiadas.

O mês mais complicado em termos de pandemia foi janeiro. A DGAJ contou 2.536 reagendamentos por covid, em 17.019 diligências — equivalente a 14,9%.

Entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2022, foram agendadas 1.029.061 diligências, das quais 15,6% foram adiadas. Os adiamentos fazem referência, principalmente, a audiências de julgamento.

Manuel Soares, líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, realçou que o número de reagendamentos era “excessivo”.

No entanto, deixa claro que “há sempre um conjunto de imponderáveis que impede” que se atinja os 100% de “julgamentos marcados feitos na data”.

“Se estamos a falar de um número relativamente constante ao longo dos anos, provavelmente é um número a partir do qual não é fácil baixar“, acrescenta Manuel Soares, alertando que medidas como impor que o julgamento continuasse, independentemente de quem faltasse, poderia comprometer a defesa dos arguidos.

António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, sugere uma solução diferente: uma gestão centralizada dos agendamentos por cada edifício, de modo a “evitar sobreposições”.

O dirigente clarifica que para alem de haver uma “marcação excessiva” de diligências por parte dos juízes, por vezes nem há salas disponíveis.

Estas situações, conjugadas com o facto de muitos magistrados e advogados terem a seu cargo dezenas de casos, pode contribuir para atrasar significativamente a conclusão de um processo.

“Como as agendas estão muito sobrecarregadas, e com limitações simultaneamente de salas disponíveis, o adiamento de uma diligência às vezes implica um atraso de quatro ou cinco meses, porque até lá não há data disponível no tribunal”, sublinha Paulo Pimenta, líder do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados.

Este tipo de pormenores põe em causa a “confiança” dos cidadãos no “normal funcionamento da Justiça”, ressalva ainda.

O seu homólogo de Lisboa, João Massano, concorda e acrescenta que conhece casos de quem não queira depor porque sabe que arrisca ter de lá ir várias vezes. “O próprio sistema em si tem de ser reformulado“, conclui.

Alice Carqueja, ZAP //

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