Quem dá mais? “Fábricas de artigos” vendem estudos falsos ao maior licitador

Há empresas a criar artigos científicos falsos e a vendê-los ao maior licitador. O fenómeno é bem mais amplo do que aquilo que se pensava.

A internet trouxe consigo o fenómeno de fake news, que tem ganhado uma dimensão nunca antes vista. Não podemos confiar em tudo o que lemos na internet e, pelos vistos, nem nas próprias revistas científicas — por muito conceituadas que sejam.

Nos últimos anos, tem-se assistido a um fenómeno paralelo de fraude científica, havendo entidades que produzem artigos científicos falsos a pedido. Conhecidas como “fábricas de artigos”, estas empresas conseguem infiltrar os seus trabalhos em revistas prestigiadas.

O artigo é vendido ao maior licitador, por vezes com o mero objetivo de enriquecer o currículo dos cientistas, que nem participaram na elaboração do estudo.

Uma nova investigação confirma o agravamento deste fenómeno, segundo o El Confidencial. Dos artigos retirados de revistas científicas em 2021, 21,8% deles foram excluídos, precisamente, devido ao problema mencionado. O estudo foi recentemente publicado na revista British Medical Journal.

Com base em dados do Retraction Watch, que rastreia retratações de revista científicas, os autores identificaram 1.182 desses falsos artigos publicados desde 2004. Os cientistas notaram que até 2014, o fenómeno era quase inexistente, mas tem vindo a disparar desde então.

Quase todos os artigos fraudulentos são da China (96,8%), com a grande maioria a estar associada a uma instituição hospitalar (76,9%). A área de conhecimento mais afetada é a farmacologia e a farmácia, com 22% do total dos estudos falsos.

Porquê estas áreas? Segundo os autores, no meio científico há muita pressão para publicar, principalmente em alguns países que oferecem certos incentivos.

“Por exemplo, um estudante de medicina na China precisa de uma publicação científica para se formar. Além disso, em alguns países o salário base dos médicos é muito baixo e eles recebem bónus pela publicação de artigos científicos, apesar de em muitos casos não terem tempo ou nem saberem como fazê-lo”, explica a autora do estudo, Cristina Candal Pedreira, ao El Confidencial.

“Existem organizações que produzem artigos científicos e depois vendem a autoria”, diz ainda a investigadora espanhola.

O problema começou a ser detetado porque “muitos artigos usavam as mesmas figuras e gráficos, embora não tivessem absolutamente nada a ver entre si e os autores não fossem os mesmos”, detalha Pedreira.

Em 2013, a revista Science revelou como funciona este esquema. Jornalistas fizeram-se passar por cientistas que queriam comprar a autoria de um artigo. Para isso, contactaram 27 empresas suspeitas e verificaram que 22 delas estavam dispostas a fazê-lo.

Uma das empresas especificou até que o preço para a inclusão de dois nomes — autor principal e autor correspondente — num artigo científico sobre cancro seria pouco mais de 19 mil euros.

O jornalista acabou por não pagar à empresa, mas verificou que esse mesmo estudo foi publicado mais tarde na revista International Journal of Biochemistry & Cell Biology com o nome de outros dois cientistas. Os investigadores negaram ter pagado pela autoria do artigo, embora tudo sugira que o tenham feito.

“Isto tudo é a ponta do icebergue”, diz Pedreira, “tanto para fábricas de artigos quanto para outros tipos de retrações, vemos apenas os que já foram retirados, mas é provável que existam milhares que não foram identificados ou que ainda estão em processo de retração, pois demora muito”.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.