A Europa está armada até aos dentes (e a Rússia “roubou” África à China)

Mikhail Palinchak / EPA

Enquanto a redução da importação de armas se efetua lentamente em diversas partes do mundo, a Europa faz o caminho contrário, segundo o relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) divulgado nesta segunda-feira.

O instituto sueco analisa e compara o comércio armamentista global em períodos de quatro anos.

Entre as duas tendências mais importantes do relatório, o investigador Pieter Wezeman explica à DW que “as transferências de armas para Estados europeus cresceram significativamente” e que “o papel dos EUA como fornecedor global de armas aumentou de forma igualmente significativa“.

No quadriénio analisado, de 2018 a 2022, o comércio internacional de armas diminuiu pouco mais de 5% em comparação com o período anterior, de 2013 a 2017. Por outro lado, a importação pelos países europeus – a maioria delas vinda dos Estados Unidos – aumentou 47%, e a dos membros europeus da NATO, 65%. A razão para este aumento é, sem dúvida, a invasão russa à Ucrânia.

Exportações dos EUA para Ucrânia, Arábia Saudita e Japão

Antes da guerra, a própria Ucrânia não tinha um papel relevante no comércio internacional de armas. Grande parte de seu equipamento de defesa ou era fabricado em solo nacional, ou provinha da era soviética. Porém, de acordo com o relatório do Sipri, a Ucrânia agora ocupa o 14º lugar na lista de importadores mundiais. Considerando-se apenas 2022, o país sobe para a 3ª posição.

O relatório do Sipri refere a “transferências de armas”, incluindo tanto o comércio como à assistência militar (gratuita), que é a principal fonte armamentista da Ucrânia. Nesse caso, em geral não se trata dos equipamentos mais modernos, mas de excedentes dos arsenais de outras nações.

Por isso, de acordo com o relatório, o valor dos fornecimentos à Ucrânia é baixo, em comparação com a venda de novas armas. Apesar da entrega maciça de armamento dos EUA à Ucrânia em 2022, o governo americano enviou mercadorias de maior valor para Kuwait, Arábia Saudita, Qatar e Japão. Estes quatro países compraram equipamentos particularmente novos e sofisticados, como aviões de combate, algo que a Ucrânia tem solicitado urgentemente aos aliados ocidentais, mas até o momento não obteve.

França ganha, Alemanha perde

Os cinco maiores exportadores de armas são Estados Unidos, Rússia, França, China e Alemanha. Embora essa classificação não tenha mudado desde o último relatório, houve alterações significativas em cada país.

Os Estados Unidos, já no topo da lista, aumentaram as exportações em mais 14%, sendo agora responsáveis por 40% das transferências globais de armas.

Um aumento muito maior, de 44%, foi registado pela França, que reforçou a sua terceira posição. No entanto, de acordo com o Sipri, tais mudanças não são raras, já que em determinados períodos pode haver encomendas particularmente grandes e lucrativas.

É também assim que Pieter Wezeman explica a queda acentuada, de 35%, no mercado de armamentos da Alemanha. Entretanto, “a mudança na exportação francesa de armas é provavelmente de natureza mais estrutural: a França promove fortemente a sua indústria de armamento e tem tido grande sucesso com ela ao longo da última década”.

O facto também foi sentido pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz, durante uma visita recente à Índia. As potências ocidentais estão a tentar encorajar Nova Deli a depender menos do armamento russo. Enquanto a França se estabeleceu no país durante anos como o segundo fornecedor mais importante depois da Rússia, a Alemanha não desempenha lá um papel importante.

China surpreendentemente fraca

Chama também a atenção a queda de 23% das exportações de armas chinesas e, em geral, a baixa importância do país como exportador global de armas, no contexto de sua economia, como um todo.

De acordo com Pieter Wezeman: “A China não conseguiu penetrar em alguns dos mercados de defesa mais importantes, em alguns casos por razões claramente políticas”. Por exemplo, ela não vende armas à sua rival Índia. Além disso, “surpreendentemente, tampouco conseguiu competir contra os seus concorrentes americanos e europeus na maioria dos países do Médio Oriente”.

Rússia forte na África

A maior importação pela Europa resultou num aumento da sua participação nas transferências internacionais de armas, de 11% em 2013-2017, para 16% em 2018-2022, ao passo que estas diminuíram em todas as demais regiões.

Um dos casos mais extremos é o da África, onde as transferências recuaram 40%. “Mas isso não torna a África mais pacífica”, ressalva Wezeman, pois os números do Sipri “não estão diretamente relacionados aos conflitos em que as armas são utilizadas”.

Existem, de facto, muitos conflitos armados na África. No entanto, “esses países não estão aptos a obter um grande número de armas sofisticadas, portanto, o valor total da transferência para a região não é tão alto quanto o número de conflitos poderia sugerir”.

Na África Subsaariana, a Rússia ultrapassou a China no fornecimento armamentista. Um exemplo desse crescimento é o Mali, que costumava comprar armas de uma série de países, incluindo a França e os EUA. Contudo, após os golpes de Estado no país africano, em 2020 e 2021, Paris e Washington começaram a reduzir significativamente os negócios, enquanto Moscovo expandiu as suas vendas.

Outro exemplo das consequências das perturbações políticas para a cooperação armamentista é a Turquia, sétima maior compradora de equipamento de defesa americano entre 2013 e 2017. De acordo com o último relatório, porém, com o aumento da tensão entre Ancara e Washington, o país membro da NATO caiu para o 27º lugar.

Encomendas futuras servem como previsão

Quem vai liderar o comércio internacional de armas no futuro? Para descobrir isso, o Sipri analisou as encomendas dos fabricantes dos países exportadores de armas mais importantes, dando-se atenção particular às encomendas de aeronaves de combate e helicópteros, bem como navios de guerra maiores, como porta-aviões, contratorpedeiros, fragatas e submarinos, que são sistemas de valor especialmente elevado.

Os EUA continuarão a ser, de longe, quem mais fornece armas no mundo. Isso é evidente pelo facto de o país fabricar cerca de 60% dos aviões e helicópteros de combate encomendados em todo o mundo. Só em 2022, 13 países encomendaram um total de 376 aviões e helicópteros de combate a fabricantes com sede nos Estados Unidos.

A França tem muitas encomendas, tanto de aviões como de navios, sendo provável que suba de posição na exportação de armamentos. As perspectivas para a Alemanha são mistas: não há muitos pedidos de aviões alemães, mas tem surgido um grande número de encomendas de embarcações navais.

E a Rússia, segunda fabricante mais importante do mundo, tem relativamente poucas encomendas. Muitas armas que poderiam ser exportadas devem ser, no momento, necessárias na sua guerra contra a Ucrânia.

ZAP // DW

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