EUA, o único país “desenvolvido” onde não há licença de maternidade paga

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Falta de leite adaptado para bebés num país com taxa muito baixa de amamentação. Ausência de licença é essencial neste problema.

Os Estados Unidos da América têm um problema generalizado: a falta de leite adaptado para bebés.

Dois factores originaram a escassez do leite de fórmula infantil em muitas casas: a pandemia (que condicionou o transporte e a produção de matérias-primas) e o encerramento da Abbott, fábrica especializada neste produto.

No entanto, este problema recente tem um impacto tão grande porque trouxe à superfície outra questão nacional: a baixa taxa de amamentação.

E, prolongando a ligação, há muitas mulheres a recorrer ao leite adaptado – e poucas a fornecer leite materno – porque não há licença de maternidade remunerada, nos EUA.

As mulheres não recorrem à amamentação porque precisam de dinheiro em casa e, para isso, precisam de voltar rapidamente ao emprego. Porque não recebem dinheiro enquanto estão a tratar da criança recém-nascida.

Parece surreal num país “desenvolvido”, mas não há licença de maternidade remunerada. A nível nacional, como “regra para todos”, não há. Nem um dia.

Entre os países mais ricos, os EUA são mesmo o único país onde isto acontece. Só outros seis Governos não pagam licença de maternidade: Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau, Papua Nova Guiné e Tonga.

Nos EUA há excepções, em sete Estados: Califórnia, New Jersey, Rhode Island, New York, Washington, Massachusetts e Connecticut. E na própria capital Washington D.C. o Governo Federal paga licença de maternidade.

Todas são de 12 semanas, pouco menos de três meses.

Em Portugal, por exemplo, a licença chega a cinco meses e é obrigatório a mãe beneficiar da licença nas seis semanas após o parto. No mês anterior ao parto, a mãe também pode gozar da licença.

Dados de 2015 demonstram que apenas 21% dos trabalhadores nos EUA têm direito a licença paga – mas é a empresa que paga, não o Estado.

Resumo da História

Foi há pouco mais de um século que a licença de maternidade remunerada começou a existir, em alguns países, no pós-I Guerra Mundial. Eram precisamente 12 semanas pagas.

O pós-II Guerra Mundial trouxe novas regras a favor das mães e aumentou muito a lista de países europeus com esta regra – havia o receio que uma quebra demográfica significativa, depois das dezenas de milhões de pessoas que morreram entre 1939 e 1945.

A Europa queria crianças mas os EUA seguiram um rumo diferente. Num país onde o número de mortes tinha sido significativamente menor, não havia “urgências”, nem demográficas, nem económicas.

Por isso, as mulheres acabaram por ser encorajadas a deixar o emprego e a ir para casa para “cuidar dos filhos”.

O contexto cultural dos EUA, que apela ao individualismo, também condicionou o (não) aparecimento das licenças de maternidade.

E ainda há outra explicação: essa licença poderia ser relacionada com uma medida socialista, ou comunista – em tempos de Guerra Fria com a União Soviética, lembrava a BBC, no ano passado.

Além disso, existe uma tendência generalizada nos EUA de pensar que muitas pessoas “aproveitam-se” do dinheiro estatal.

Basta ver que o mesmo estudo (2015) mostra que 82% da população nos EUA acham que deveria existir, a nível nacional, uma licença de maternidade paga; mas apenas 47% consideram que deve ser o Governo a pagar a licença.

Assim, ficou a cargo das empresas decidir se pagam licença de maternidade. Mas os números mostram que quase 80% das norte-americanas não têm direito a essa “pausa” remunerada.

Biden queria, mas…

Mais de 70 anos depois das primeiras licenças de maternidade, em 1992, os EUA “acordaram” e iniciaram um programa de licença de 12 semanas…sem vencimento.

No ano passado, o panorama poderia ter mudado. Em Abril de 2021 o presidente Joe Biden propôs uma licença paga, igualmente de 12 semanas.

A ideia do presidente era financiar esta novidade através do aumento de tributação por parte dos norte-americanos mais ricos (de 37% para 39,6%) e aumentar os impostos sobre ganhos de capital para quem recebe por ano mais de 1 milhão de dólares (940 mil euros, no câmbio actual).

No entanto, a proposta desapareceu do pacote de propostas económicas.

Mesmo entre os membros do Governo – Federal ou dos Estados – há muitas dúvidas. Os democratas queriam 12 semanas, depois pensaram reduzir para quatro semanas (dois senadores conservadores rejeitaram a ideia inicial), mas depois o assunto nem foi mencionado na apresentação do pacote.

As licenças remuneradas não são o “ponto forte” nas regras nacionais nos EUA: as baixas por doença também não são pagas. Só há 11 países no planeta que não concedem licença remunerada devido a problemas de saúde. EUA são um deles.

Num país onde não há sistema nacional de saúde, público e universal.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

7 Comments

  1. Dizer que os EUA são um país desenvolvido é como dizer que Portugal é um país pobre… nos EUA há “cenas” muito desenvolvidas e em Portugal há muitos pobres, mas…

  2. Os EUA são um país desenvolvido sem aspas.
    Tem as suas imperfeições, mas é preciso assinalar que nos EUA existe uma cultura de responsabilidade individual. Há poucas coisas gratuitas, porque tudo tem custo.
    Os americanos crescem a não esperar demasiado do Estado. Isso permitiu que se tornassem na maior potência económica mundial.

    • …Isso não teve nada a ver com o permitir que os EUA se tornassem e mantivessem como a maior potência económica e militar a nível mundial. E as suas “imperfeições” podem realmente ser um grande obstáculo a que milhões e milhões de americanos vivam decentemente ou que levem uma vivência social humanamente decente.

      • Teve tudo a ver. Ninguém nos EUA vive de mão estendida à espera que o Estado lhe venha resolver os problemas. Isso cria uma mentalidade de auto-suficiência e empreendedorismo que não existe em mais lado nenhum. E só vive mal nos EUA quem não gosta de estudar e trabalhar.

      • Viver no meio de loucos ou ver os seus filhos assassinados pelas mãos de um qualquer alucinado porque tem acesso facilitado a armamento, é capaz de contribuir para se viver mal… digo eu!…

      • Oh troll, vai pregar para outro lado. É óbvio para quem tem 2 dedos de testa que me estava a referir à economia e mercado de trabalho! O teu comentário não tem nada a ver com esta conversa!

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