Esvaziamento de BE e PCP não explica na totalidade a maioria absoluta, apontam politólogos

Miguel A. Lopes / Lusa

António Costa

António Costa celebra maioria absoluta do PS nas legislativas de 2022.

Maioria absoluta do PS e divórcio com os parceiros da esquerda pode ser uma oportunidade para Bloco de Esquerda e Partido Comunista se destacarem na oposição ao Governo dos socialistas, apontam polítólogos e analistas.

Quase uma semana após a surpreendente conquista da maioria absoluta pelo Partido Socialista, os analistas e politólogos começam a alinhar-se nas possíveis justificações para o resultado eleitoral. À cabeça surgem quatro: o apelo ao voto útil, as sondagens – que apontavam para uma eleição muito disputada -, o “castigo” ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista pelo chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e a possibilidade de uma “geringonça de direita”. Foram estas as conclusões de um grupo de investigadores que se reuniram ontem, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, para discutir precisamente os resultados das legislativas.

Para Pedro Magalhães, investigador na instituição e responsável pelo centro de sondagens do ISCTE, um dos erros que Rui Rio cometeu foi, nas horas que antecederam a eleição, propôr uma ‘geringonça’ de direita, sem perceber que “os portugueses adoraram a ‘geringonça'” entre o PS, BE, PCP e PEV”, uma apreciação que captava até “franjas da direita“, cita o Público.

No entender do investigador, nem o chumbo do orçamento foi suficiente para criar dúvidas quanto à capacidade da esquerda governar, até porque os últimos anos também foram marcados por excedentes orçamentais. Já sobre a possibilidade de uma solução semelhante à direita, a sua viabilidade era ainda uma incógnita e o mesmo se pode dizer relativamente à participação do Chega – a qual muitos recusavam. “Foi uma linha de argumentação completamente incompreensível” que poderá ter sido determinante para o resultado do PSD, aponta Pedro Magalhães.

Partindo da premissa de que “em eleições renhidas vota-se sempre e há sempre mais voto útil”, António Costa Pinto destacou a importância do “voto útil estratégico” no PS, sobretudo por parte de “um eleitorado de esquerda que não compreendeu o chumbo do OE2022” e que pretendia travar “a ameaça da direita”. Aqui, as sondagens também representaram um papel importante, já que contribuíram para a mobilização voto da esquerda no PS – apesar de o mesmo não se poder dizer relativamente à direita e ao PSD.

Pedro Magalhães mostra-se ainda cético em relação à possibilidade de o resultado dos socialistas se justificar apenas com a diminuição dos votos tanto no Bloco de Esquerda como no Partido Comunista – apesar de o PS ter ganho mais 379.972 votos, os dois partidos de esquerda terem perdido, em conjunto, 344.861 e o PAN 84.608, quando ainda faltam apurar os números relativos à emigração.

“O grande problema em que o PCP e o BE se colocaram foi que foram tratados pelo PS como se fossem oposição e eram vistos como se fossem parte do Governo. Muita gente achava que a ‘geringonça’ existia depois de 2019. Não existia coisa nenhuma”, considerou Pedro Magalhães. O investigador descreveu como “uma ambiguidade” a relação entre os parceiros da geringonça desde esse ano. “Há quem diga que rejeitaram o OE e depois pagaram [nas urnas]. A outra leitura é que rejeitaram porque tinham de sair disto.”

O investigador lembrou que a “erosão do PCP e BE já lá estava antes do chumbo do OE” e que, em última caso, a decisão “até os protege a longo prazo“, já que agora “têm quatro anos para se posicionarem como partidos que fazem oposição à maioria absoluta”. O histórico eleitoral do Bloco de Esquerda, sobretudo nos anos de 2011 e de 2015 parece comprovar este argumento.

Susana Coroado, investigadora e presidente da Transparência e Integridade, destacou que uma governação assente na maioria absoluta dá espaço para mais reformas – devido à inexistência de tantas barreiras -, mas também levanta incógnitas no que respeita aos chamados “checks and balances“, que funcionam como fiscalizadores e escrutinadores do partido no Governo, como é o caso do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou do Tribunal Constitucional.

Outro ponto que a investigadora fez questão de assinalar foi a preocupação com o “degradar” do funcionamento das instituições. “Tudo o que pudesse ser um aumento dos instrumentos de escrutínio tanto ao Governo como ao Parlamento seria ótimo”, realçou, daí ser importante investir no fortalecimento das instituições. “Há um dia em que precisamos delas porque o sistema político se altera, mas depois de anos a enfraquecer as instituições é mais difícil recuperá-las“.

ZAP //

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