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“Estrada nas Ginjas é uma auto-estrada na Amazónia”. Madeira quer alcatroar floresta protegida

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Executivo regional quer pavimentar estrada que atravessa a floresta Laurissilva, classificada como património mundial natural pela UNESCO há 20 anos.

“Penso que no final de tudo isto, vai prevalecer o bom-senso”, diz Henrique Costa Neves ao Público, esperançoso de que a anunciada obra de construção de uma estrada no Norte da Madeira, numa zona da floresta Laurissilva, não avance.

“Penso que haverá um retrocesso”, repete o antigo diretor do Parque Natural da Madeira, que foi, no final de 1999, uma das vozes mais respeitadas da candidatura vitoriosa da floresta madeirense a património mundial natural da UNESCO.

Agora, diz Costa Neves, quase duas décadas depois, o reconhecimento  o único que o país tem em termos de património natural  pode estar em risco.

Costa Neves não coloca de parte uma queixa formal na comissão nacional da UNESCO em Lisboa. Até em Paris, “se preciso for”, na sede mundial da agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. “A Laurissilva poderá ser desclassificada. Já aconteceu com outros. É um risco“, avisa.

Em causa, estão dez quilómetros de estrada íngreme de terra batida, que serpenteia encosta acima a localidade das Ginjas, em São Vicente (no norte da ilha), até ao sítio dos Estanquinhos, no Paúl da Serra, um vasto planalto central.

A estrada foi rasgada no início da década de 80, pela floresta praticamente virgem. Ficou aberta em terra batida, com a justificação de criar uma ligação alternativa entre o norte e o sul da ilha.

Seria uma escapatória em caso de problemas com a estrada regional, que na altura era a única via a ligar as duas costas do território. Não chegou a ser utilizada, e não fossem alguns veículos todo-o-terreno com turistas a atravessá-la, já teria caído no esquecimento.

É uma floresta húmida com características subtropicais. A Madeira tem a maior área de Laurissilva do mundo  com 15 mil hectares (20% do território da ilha). As ilhas Canárias têm menos de três mil hectares, e nos Açores persistem algumas manchas de floresta em São Miguel e na Terceira.

Pavimentação alternativa

Estrada nas Ginjas é uma auto-estrada na Amazónia“, reiterou Miguel Sequeira, ex-diretor das Florestas, que considera a decisão do Governo Regional uma teimosia que vai prejudicar a Laurissilva.

Já o presidente da Câmara de São Vicente, José António Garcês, assegura que a via vai ser construída “doa a quem doer“, avança o Diário de Notícias da Madeira.

O governo regional do social-democrata Miguel Albuquerque tem outra ideia: recuperar a estrada, colocando um pavimento especial, não impermeabilizado. “É uma das mais belas estradas da Madeira”, explica, ressalvando que antes da intervenção vai ser realizado um estudo de impacto ambiental para salvaguardar a Laurissilva.

Segundo Albuquerque, a estrada já tem 40 anos e está bastante degradada. Por isso, o executivo quer aplicar sete milhões de euros, comparticipados por fundos comunitários, na recuperação. A pavimentação vai ser feita com um asfalto especial, “esponjoso”, que permite a infiltração no solo das águas pluviais.

Madeira Walking / Flickr

Floresta da Laurissilva, na Madeira.

A Laurissilva, com cerca de 11 milhões de árvores, algumas com perto de 40 metros de altura, tem um papel fundamental no ciclo de água na ilha.

O anúncio motivou protestos de ambientalistas  a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) já veio lembrar que em 2013, foi feita uma intervenção conjunta naquela zona integrada no projeto Life Fura-bardos.

Mas não demoveu o presidente do governo madeirense. Albuquerque, endurece o discurso. “Vou avançar e concretizar a obra da estrada das Ginjas, quer queiram quer não, porque tenho mandato para isso”.

Raimundo Quintal também é contra a construção da estrada. O ambientalista e principal rosto da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, lembra a luta travada em 2010, contra o então governo de Alberto João Jardim, que pretendia construir um teleférico na zona do Rabaçal, na Laurissilva.

“O projeto não avançou, graças à nossa batalha, da Quercus e (da Associação) dos Amigos do Parque, que recorreram à solidariedade internacional“, recorda, garantindo que se não houver recuo, vão recorrer às mesmas medidas.

“Esta floresta não é nossa. É do planeta. Nós somos apenas os guardiões”, sublinha Costa Neves, insistindo que não há razão  “nunca houve”  para a existência daquela estrada.

“Não serve a população ou terrenos agrícolas”, afirma, lamentando que seja o próprio governo regional, que se comprometeu perante a UNESCO a preservar a floresta, o agressor da Laurissilva.

DR, ZAP //

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