O estado mais populoso da Índia vai a votos, numa eleição vista como um referendo ao BJP e a Modi

narendramodiofficial / Flickr

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi

A crise económica, a gestão da pandemia, o fundamentalismo hindu e a polémica reforma agrária vão a votos esta quinta-feira em Uttar Pradesh. Os resultados das várias eleições estaduais em 2022 vão ditar o tom da campanha de Modi nos próximos dois anos.

A Índia vai a votos esta quinta-feira no estado de Uttar Pradesh, o mais populoso do país, arrancando assim o processo que vai determinar a composição do próximo Parlamento e que é encarado como um referendo ao Governo do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP) de Narendra Modi.

O Uttar Pradesh é também o estado que elege mais representantes (80 dos 543 deputados) para o Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento nacional, aponta o Público.

Modi está no poder desde 2014 e foi reeleito em 2019, mas a sua popularidade nos últimos tempos tem sido abanada pela resposta à pandemia, a proposta de reforma agrária polémica que motivou protestos em massa de agricultores, a fragilidade económica da Índia e a subida de tom das políticas anti-Islão.

A derrota no estado de Bengala Ocidental foi o primeiro sinal de que o domínio do BJP no país pode ter os dias contados. Para além da eleição desta quinta-feira em Uttar Pradesh, vão também a votos este ano os estados de Punjab, Uttarakhand, Goa, Manipur, Himachal Pradesh e Gujarat — sufrágios cujos resultados vão ditar a estratégia de campanha do BJP nos próximos dois anos.

Pode Adityanath ser o sucessor de Modi?

A eleição desta quinta-feira vai ser dividida em sete fases e o resultado final será conhecido a 10 de Março. O ministro-chefe incumbente é o monge fundamentalista hindu Yogi Adityanath, que foi escolhido por Modi para o cargo depois da sua participação na campanha nas eleições de 2017 em Uttar Pradesh, apesar da sua falta de experiência política.

Adityanath implementou várias políticas de supremacia hindu nos últimos anos, substituindo os nomes de cidades que tinham origem islâmica por nomes hindu e referindo-se aos muçulmanos como um “vírus”.

O ministro-chefe foi também o cérebro de uma lei que proíbe a “Jihad por Amor” — a suposta prática da conversão de mulheres hindu ao Islão através do casamento com  com o objectivo de se aumentar a proporção demográfica de muçulmanos no país.

A desinformação e os crimes de ódio contra a minoria muçulmana na Índia têm disparado, com alguns hindus mais conservadores a apelarem abertamente ao genocídio. Em Dezembro de 2019, foi aprovada uma lei que impede alguns muçulmanos de receberem cidadania indiana. Cerca de 19% da população de Uttar Pradesh é muçulmana, nota a Time.

O BJP teve uma vitória fácil no estado em 2017, tendo conseguido uma maioria tão significativa que pode perder muitos votos e vencer na mesma. Os principais adversários são os socialistas do Partido Samajwadi, que governaram o estado entre 2003 e 2007 e de 2012 a 2017, mas as sondagens apontam para uma vitória do BJP.

Caso esta vitória se concretize, será uma aprovação por parte da população das políticas duras anti-Islão no estado e uma forma de consolidar o futuro político de Adityanath, que se está a tornar um dos principais rostos do BJP e já é apontado como um eventual sucessor de Modi no cargo de primeiro-ministro.

Os temas que vão decidir a eleição

Uma das questões mais debatida vai mesmo ser o nacionalismo hindu. De acordo com uma sondagem feita no final de 2019 e no início de 2020, quase dois terços dos hindus acredita que a religião é fundamental para se ser verdadeiramente indiano, assim como a fala do hindi. As políticas mais fundamentalistas do BJP podem ganhar muitos adeptos entre este eleitorado.

A economia vai também a votos, sendo que esta já viu melhores dias. O custo de vida tem vindo a aumentar, assim como o desemprego e a inflação. Em 2017, a taxa de desemprego estava abaixo dos 5%, mas em Dezembro chegou quase aos 8%, sendo que os jovens têm sido os mais afectados, estando quase 30 milhões de indianos entre os 20 e os 29 anos sem emprego.

Esta será a primeira ida às urnas desde a segunda onda de covid-19 na Primavera passada, que devastou o país. No estado de Uttar Pradesh, os hospitais entraram em ruptura por não terem oxigénio e camas e foram vistos corpos a flutuar no rio Ganges. A resposta à pandemia pode assim ser também um factor decisivo.

Outro dos temas quentes num país onde grande parte da população vive da agricultura será a proposta da reforma agrária e os protestos que esta suscitou. Em causa estavam três leis que abriam o sector ao mercado livre, que queriam reduzir o desperdício e colmatar as falhas na distribuição.

As medidas foram muito mal recebidas pelos sindicatos, que se mobilizaram nas ruas durante um ano por considerarem que a perda de apoios estatais iria beneficiar os grandes produtores e retirar os meios de subsistência aos pequenos agricultores. Apesar da maioria dos protestos terem acontecido em Punjab e Deli, Uttar Pradesh também foi palco de algumas manifestações.

O Supremo Tribunal suspendeu a reforma, mas só meses depois, em Novembro do ano passado, é que o Governo de Modi cedeu — mais de um ano depois do inicio das manifestações e do acampamento de milhares de agricultores em Nova Deli.

Cerca de 47% da população de Uttar Pradesh depende da agricultura para viver, o que pode fazer com que a gestão polémica do BJP faça estragos nos resultados eleitorais.

Resta saber se esta cedência de Modi foi suficiente para restaurante as relações com os agricultores, muitos dos quais ainda estão a pedir uma expansão dos apoios governamentais para a compra de produtos com preços mínimos.

Adriana Peixoto, ZAP //

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