Voos privados e férias de luxo. Escândalo de corrupção abala o Supremo dos EUA

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Departamento de Agricultura dos EUA

O juiz Clarence Thomas está envolvido numa polémica depois de uma investigação ter revelado as viagens de luxo que fez à custa de um mega-doador dos Republicanos.

O juiz mais conservador do Supremo Tribunal dos Estados Unidos está no centro de uma polémica que tem até suscitado apelos à sua destituição. De acordo com a ProPublica, há já mais de 20 anos que Clarence Thomas tem uma relação próxima com o bilionário Harlaw Crow, que é um dos maiores doadores dos Republicanos.

A investigação detalha várias viagens de Thomas pagas por Crow. Em 2019, por exemplo, o juiz e a esposa foram de férias para a Indonésia no jacto do bilionário e passaram nove dias no seu superiate a visitar várias ilhas do país. No total, a viagem terá custado mais de 500 mil dólares, quase o dobro do salário anual de 285 mil dólares que Thomas recebe enquanto juiz do Supremo.

O juiz também já terá passado temporadas na quinta de Crow no Texas e participou num retiro só para homens organizado pelo bilionário na Califórnia. Todos os verões, Thomas costuma passar uma semana no resort privado de Crow em Nova Iorque e a propriedade tem até uma pintura que o mostra a fumar um charuto e a conversar com outros rostos influentes da direita norte-americana, como o advogado Leonard Leo.

As revelações aparentam contrariar as declarações públicas de Thomas, que sempre se mostrou orgulhoso das suas raízes humildes e disse preferir um estilo de vida mais simples. No documentário financiado por Crow sobre a vida de Thomas, o juiz mostrou-se fã de parques de caravanas. “Prefiro os parques de estacionamento da Walmart a praias ou coisas assim. Há algo de normal nisso para mim. Sou uma pessoa normal e prefiro isso”, afirmou.

Segundo a ProPublica, a “extensão e frequência dos aparentes presentes de Crow para Thomas não têm um precedente conhecido na história moderna do Supremo Tribunal dos EUA”.

Dois especialistas ouvidos pela publicação consideram ainda que Thomas violou a lei que obriga os juízes federais e membros do Congresso a declarar os presentes que recebem e que possam servir como subornos para trocas de favores.

“Troçar dos critérios éticos mais básicos”

A investigação suscitou críticas duras dos Democratas ao juiz que está há mais tempo no Supremo, somando já 31 anos no cargo.

“Este comportamento é simplesmente inconsistente com os critérios de ética que o povo americano espera de qualquer servidor público, especialmente de um juiz do Supremo Tribunal. Os juizes do Supremo têm de seguir o código de conduta, tal como qualquer outro juiz federal”, afirmou Dick Durbin, Senador do Illinois e presidente do comité judiciário do Senado, que promete investigar a situação.

A representante progressista Alexandria Ocasio-Cortez acredita que este caso ultrapassa as linhas partidárias. “Este nível de corrupção é chocante. Thomas tem de ser destituído. É por isto que Roberts será conhecido: corrupção, erosão da democracia e a eliminação dos direitos humanos”, escreveu no Twitter, referindo-se a John Roberts, presidente do Supremo.

Numa entrevista à CNN, a congressista apelou ainda ao sentido de responsabilidade dos Republicanos, que agora controlam a Câmara dos Representantes: “Se os Republicanos decidirem proteger quem está a violar a lei, a responsabilidade é deles. Mas não devemos ser cúmplices com isso”.

A situação levanta mais questões sobre a legitimidade do Supremo nos Estados Unidos e a separação entre o poder legislativo e judicial. Durante o mandato de Trump, que nomeou três juízes ultraconservadores em apenas quatro anos, os Republicanos quebraram várias tradições políticas para conseguirem alargar a sua influência sobre o mais alto tribunal dos EUA.

A recusa de Mitch McConnell a levar a votos a nomeação de Merrick Garland, feita ainda por Obama, foi um dos exemplos mais notórios da promiscuidade entre a política e a justiça nos Estados Unidos. A recente decisão de abolir o direito federal ao aborto só deu mais força à onda de contestação à politização do Supremo.

Sarah Lipton-Lubet, presidente do grupo Take Back the Court Action Fund, que se opõe precisamente à instrumentalização política do Supremo, não poupou nas críticas a Clarence Thomas.

“Quantos dos interesses pessoais de Crow já foram defendidos no Supremo enquanto Thomas estava a desfrutar do estilo de vida dos ricos e famosos financiado pelo mega-doador de direita? A troça repetida de Thomas dos critérios éticos mais básicos põe em causa todas as decisões que impôs a milhões de americanos”, atira.

“Reuniões de amigos”

Num comunicado, Crow negou alguma vez ter influenciado o trabalho de Thomas como juiz. “A hospitalidade que lhe demos não difere da hospitalidade que demos a outros nossos amigos queridos”, afirma.

“Nunca fizemos perguntas sobre casos do tribunal e o juiz Thomas nunca discutiu nenhum. Nunca tentamos influenciar o juiz Thomas ou qualquer assunto legal ou político. Não tenho conhecimento de algum dos nossos amigos ter alguma vez feito um lobby ou tentado influenciar o juiz Thomas em qualquer caso e nunca convidaria ninguém que achasse que tinha essa intenção. Eram reuniões de amigos”, frisa.

Clarence Thomas também já respondeu à polémica. “No início do meu mandato fui aconselhado de que este tipo de hospitalidade pessoal de amigos próximos, que não têm relações com o Supremo, não tinha de ser reportada. Tenho seguido esse conselho e sempre procurei cumprir as regras de transparência“, declara.

O juiz lembra ainda que estas leis foram apertadas recentemente. “É minha intenção, claro, seguir estas diretrizes no futuro”, remata, citado pelo Politico.

Adriana Peixoto, ZAP //

6 Comments

    • Não é bem assim. Lá, ao contrário de cá, o Bernard Madoff teve uma sentença de 150 anos enquanto que em Portugal o Ricardo Salgado e o Sócrates andam por aí a passear.
      Ao contrário do que muita gente pensa, o problema não é haver ladrões, vigaristas, artistas, etc. Sempre houve e sempre haverá. O que realmente interessa é saber como é que cada sociedade lida com isso. Os EUA têm seguramente muitos defeitos, mas também têm algumas virtudes. E uma delas é precisamente um sistema judicial que condena o mais rico e o mais pobre, o mais poderoso e o mais fraco. Obviamente que há sempre casos que são exceção, mas também por isso mesmo a regra é essa, julgar independentemente de quem está pela frente. Em Portugal é exatamente o oposto. A regra é inocentar os poderosos. A exceção é prendê-los. Também por cá há exceções, sobretudo no passado mais recente, desde a nomeação da Marques Vidal pelo governo Passos / Portas. A partir desse momento começámos a ver alguns dos até então intocáveis a ir dentro. Outra coisa igualmente bem diferente são as comissões de inquérito. Por aqui ninguém liga nada aquilo. Mentem descaradamente, gozam com aquilo tudo como fez o Berardo e pronto. Nos EUA. chia bem fino. Saem de lá praticamente para o estabelecimento prisional mais próximo.

      • Totalmente de acordo. Não diria melhor. O Madoff é um exemplo da diferença da América para Portugal em matéria da penalização do crime de colarinho branco.

      • É a diferença entre países corruptos como o nosso, com muitos ladrões intocáveis que grassam pelas governanças e os desenvolvidos como os USA que prende ladrões corruptos, seja lá qual for a posição ou o estatuto na sociedade. Os vigaristas e ladrões encartados por cá, já sabem que contratam nas calmas advogados, daqueles que foram os autores e produtores das leis na AR, que hão-de safá-los porque estes sabem que voltas e reviravoltas deram para que um dia pudessem safar a ladroagem onde pontuam especialmente banqueiros e políticos.

  1. Que paradoxo um negro ser conservador, partido de brancos muitos racistas. Mas ele (preto) procura conservar o quê? Conservar a escravidão? Conservar seus privilêgios de lambe-botas dos brancos ricos e superricos? Este tipo de corrupção é muito comum no Brasil, mas os beneficiados e seus admiradores não acham corrupção e nem vêem os corruptos como criminosos. Vejam o caro de receber joias caríssimas de autoridades árabes, tem gente que acha ser pessoal, e não objetos de Estado. O salário de juiz da Suprema Corte é tão ruim que não pode fazer viagens de férias? Ou este tipo de presente (mimos) de amigos ricos NADA influenciam nas duas decisões conservadoras ou ultraconservadoras???

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