/

Há uma “epidemia” de suicídios entre os veterinários (e Portugal é um dos países mais afetados)

2

Os veterinários são consistentemente uma das profissões com maiores taxa de suicídio e depressão em diversos países. Portugal é o país do mundo onde os profissionais relatam maior stress, com 87% dos clínicos a ser atingidos.

Durante quatro décadas, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), principal agência de saúde pública dos Estados Unidos, investigou os suicídios entre médicos veterinários.

A conclusão foi que os veterinários homens tinham o dobro de probabilidade de se matar do que a população em geral e as mulheres, 3,5 vezes.

A pesquisa com 11 629 veterinários durou de 1979 a 2015 e foi publicada em 2019. No período do estudo, cerca de 400 veterinários suicidaram-se.

Estudos de diversos países têm mostrado que a ocorrência de suicídios entre veterinários é maior do que na população geral.

Os autores da pesquisa do CDC afirmaram que a ansiedade e a depressão se mostraram rotineiras entre os profissionais da área.

Outra pesquisa de 2019 apontou que as causas poderiam ser, entre outros fatores, o acesso facilitado a um medicamento usado para a eutanásia dos animais.

Já na Austrália, um estudo divulgado em 2022 pela ONG Love Your Pet, Love Your Vet mostrou que a taxa de suicídio entre veterinários era quatro vezes mais alta do que a média no país e revelou que 78% dos donos dos animais, também chamados de tutores, não sabiam disso.

A pesquisa VetsSurvey de 2021 concluiu que Portugal é o país do mundo com o maior nível de stress na área veterinária, atingindo cerca de 87% dos profissionais. Argentina (79%), Brasil (74%), Estados Unidos (71%) e Reino Unido (70%) vieram em seguida. A média mundial ficou em 65%.

De acordo com Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Veterinários de Portugal, esta profissão é mesmo a que tem a maior taxa de suicídio em Portugal. “Dos dados que temos haverá, possivelmente, na área médica mais de 10% de burnout”, revelou à CNN Portugal em 2023.

Um estudo da Ordem indica ainda que 25% dos profissionais tem sintomas graves de ansiedade, depressão e stress e faz automutilação de forma regular. Mais de 15% assume ter pensamentos sobre suicídio.

No Brasil, a psicóloga Bianca Stevanin Gresele estudou os fatores de risco para a saúde mental de veterinários clínicos que atendem e fazem cirurgias em pequenos animais, como cães e gatos. Cerca de 43% dos formados trabalha nesta área da veterinária, segundo o relatório Demografia da Medicina Veterinária do Brasil 2022.

Segundo a psicóloga, os três principais fatores de stress na profissão são o desgaste emocional com atendimentos, lidar com tutores emocionalmente abalados e equilibrar a vida pessoal com a profissional.

A fadiga por compaixão é uma síndrome que afeta profissionais que lidam com o sofrimento dos outros e sofrem com exaustão física e emocional; falta de energia e entusiasmo; distanciamento da equipe, dos amigos, da família e dos pacientes; desinteresse; e depressão.

Médicos veterinários e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil ajudam a explicar a crise de saúde mental entre esses profissionais.

Cerca de 46,6% dos veterinários declaram cumprir jornadas superiores a 40 horas semanais, segundo a Demografia da Medicina Veterinária do Brasil 2022.

A maioria (52,7%) trabalha como autónomo, e muitos não denunciam abusos por medo de perder trabalho ou de ficarem “queimados” no mercado, segundo os profissionais ouvidos pela reportagem.

“Acham que somos santos e tratamos ursinhos de peluche”

Profissionais reclamam também que muitos dos donos de animais ainda idealizam os veterinários como uma espécie de “São Francisco de Assis de bata” — o santo católico é o padroeiro dos animais.

“Existe a ideia de que veterinário é pago com amor“, diz a anestesiologista Adriana Patrícia Jorge. “Que tem de trabalhar de graça, não pode cobrar ou precisa de cobrar pouco, porque o animal é um ser inocente, puro, indefeso”, prossegue. “Só que a gente não paga as contas com amor.”

Adriana, de 40 anos, mora em Vargem Grande Paulista (SP) e conta que trabalhou como veterinária clínica durante oito anos seguidos. O salário baixo, a falta de reconhecimento e a sobrecarga emocional quase a fizeram desistir da profissão. Mas decidiu continuar e especializou-se na aplicação de anestesias.

Adriana diz que tem colegas que tiveram burnout. Uma amiga sua tentou o suicídio, e um colega anestesista tirou a própria vida.

“As pessoas acham que o veterinário faz medicina de ursinho de peluche, mas nós levamos com animais envenenados, vítimas de maus-tratos, tutores que querem fazer eutanásia sem motivo, por conveniência”, diz.

A “humanização” dos animais que fomenta o lucrativo mercado dos animais de estimação também altera a relação entre profissionais e clientes, aponta Teng Chei Tung, professor colaborador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

“Médico de animais de estimação tem de lidar com uma clientela exigente, que vê os animais como filhos e que se comporta como pais“, diz o psiquiatra.

A morte de um “filho” animal nem sempre é encarada como uma etapa natural, ressalta Ingrid Bueno Atayde.

“Para muitos tutores, o animal não morreu porque já tinha 17 anos de idade, porque estava com diabetes ou com cancro, e sim porque o veterinário não conseguiu mantê-lo vivo”, diz Atayde.

Pressão por lucro, machismo e maus-tratos

A veterinária paulistana Débora Pimenta, de 33 anos, diz que uma das questões que a desgastaram até o limite de um burnout foi a pressão de patrões por maior lucro.

Em mais do que um local em que trabalhou como clínica, Débora conta que foi levada a oferecer procedimentos e medicamentos que considerava desnecessários, em troca de comissões.

“Em certos lugares, não trabalhamos como veterinários, mas como vendedores. Eu não estudei veterinária para ser vendedora”, diz Débora.

Tatiane Martins, de 43 anos, conta que se trata desde fevereiro pelo burnout que teve ao trabalhar numa clínica no ABC paulista. Hoje, atende cães, gatos e aves ao domicílio. A sua paixão desde a infância são os cavalos. Mas não pensa em trabalhar com grandes animais, porque foi alvo de preconceito por ser mulher.

“Diziam: ‘Não vais dar conta, não sabes, não consegues lidar com eles’ [grandes animais]. O machismo impera no meio agro.

A patologista Claudia Momo, professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, acompanhou de perto muitas situações de maus-tratos. Ela e a sua equipa na faculdade examinam corpos de animais que são encaminhados pelas polícias, por outras autoridades e pelo Hospital Veterinário da USP.

“Vimos o horror total, com animais mortos pela fazenda, carcaças, vinte urubus numa única árvore, penas das aves espalhadas pela fazenda… Era o cheiro da morte”, relata.

O peso da eutanásia

Um estudo de investigadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) publicado em 2023 mostrou que a prática da eutanásia animal tem um impacto negativo na saúde mental dos veterinários brasileiros.

A presença de sentimentos negativos decorrentes da prática é frequente, assim como a falta de preparação emocional para executá-la.

O veterinário Pierre Barnabé Escodro, professor associado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), destaca que a eutanásia tem uma conexão importante com a fadiga por compaixão.

“É um esgotamento grande quando há um animal que não precisava ser eutanasiado, mas acaba por ser por conveniência do tutor”, diz Escodro.

“Assim como aparece a fadiga se a eutanásia é preconizada por motivo de saúde pública, por exemplo, mas combatida por ativistas.”

Fazer terapia e cuidar da espiritualidade são caminhos que ele segue e recomenda para os colegas para manter a sua saúde mental, embora reconheça que são poucos os veterinários que procuram a ajuda de um psicólogo.

 

ZAP // BBC

Siga o ZAP no Whatsapp

2 Comments

  1. Não fazia ideia que os veterinários estivessem sujeitos a semelhante stress. Será credível esta notícia? Parece-me um tanto disparatada. Uma coisa é certa: eutanasiar animais indefesos que jamais o solicitaram, deve ser duro para quem o tenha de fazer, e é uma prática diária. Por outro lado, os veterinários têm fácil acesso ao pentobarbital, a droga que é utilizada na eutanásia humana. Em caso de depressão ou de situação limite, é um meio fácil para terminar com a vida. Antes isso do que terem de se atirar de uma ponte abaixo ou para debaixo de um comboio, como sucede a quem não tem acesso a esse método mais suave e humano.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.