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“Não fui feliz no início” – mas algo mudou. Quando é difícil descrever a JMJ (entrevista)

Paulo Novais / LUSA

Papa Francisco com peregrinos na JMJ 2023

“Houve um momento em que… Ai. Não sei explicar isto”. Agora que acabou, Lúcia espera que tenha ficado “mais amor” na Igreja. Entrevista a uma jovem que precisou de várias pausas para falar.

Lúcia tem 25 anos e foi uma das centenas de milhares de pessoas que participaram na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) deste ano.

Em conversa com o ZAP, esta jovem portuguesa do distrito do Porto começa por reforçar que a JMJ durou duas semanas, no seu caso: acolheu duas jovens eslovacas em sua casa, na semana anterior ao evento.

Foi uma “experiência incrível”, resume. Embora admita que é sempre estranho receber em casa pessoas que não conhecemos.

“Mas partindo do princípio que são peregrinos e que iam ser exactamente o que eu ia ser na semana seguinte… As coisas tornaram-se mais simples, a confiança apareceu mais facilmente”.

Lúcia lembra que, se para quem recebe as pessoas é estranho, se calhar para os peregrinos estrangeiros “mete ainda mais confusão” porque vão para um país completamente diferente e vão para uma casa onde não conhecem ninguém.

Este acolhimento foi uma “troca cultural”, uma experiência que “acrescentou muito aos dois lados”. Com momentos de comunicação “muito engraçados”, numa casa onde os seus pais não dominam a língua inglesa: “O Google Translator faz uma diferença gigante, mas não é solução para tudo”.

A portuguesa reparou que, na Eslováquia, as jovens são muito mais envolvidas na religião do que jovens de 16 anos em Portugal; têm muitas tradições que já não existem por cá, como rezar antes de cada refeição.

Infeliz, já em Lisboa

Quase 7h de viagem para ir à JMJ (juntando ida e volta). Isto de autocarro – porque a pé… “Ui. Caminhei muito em Lisboa. Todos os dias. Nem tenho noção dos quilómetros que fiz. Eles fecharam as principais estações de metro, para dispersar as pessoas, e isso obrigou-nos a caminhar muito a pé. Estações de metro apinhadas… Lisboa parou por causa da Jornada”.

Lúcia estava muito inserida em actividades da sua paróquia. Ir à JMJ foi uma decisão automática: “Nunca ponderei não ir”.

Mas houve mudanças de direcção na sua vida, quer a nível geográfico, quer a nível religioso – afastou-se da religião e começou a pensar “porque raio eu vou à JMJ?”.

O “bichinho”, a motivação surgiu (ou voltou), quando as jovens eslovacas chegaram a sua casa. “E já estava tudo pago, estava tudo combinado para ir”.

Mesmo assim, e já depois de ter chegado à capital: “Nos primeiros dias, foi um bocado a sensação de ser obrigada a ir. Ao contrário do que toda a gente diz, não posso dizer que fui feliz nos primeiros dias da Jornada”.

“Vamos ver o Papa!”

Até que algo mudou: “Houve um momento em que… Ai. Não sei explicar isto”.

Lúcia faz uma pausa na conversa.

E outra.

A descrição do que se segue demorou a sair.

Mas saiu: “Eu estava com um grupo de pessoas e decidimos que queríamos ver o Papa, no dia da Via Sacra. Fomos lá para o meio da multidão, tentar ver o Papa”.

“E eu não sei explicar isto, mas comecei a sentir uma grande inquietação dentro de mim. Comecei a ficar super entusiasmada ao pensar na hipótese de ver o Papa”.

As perguntas multiplicaram-se: “Comecei a pensar para mim mesma: porque estou a ficar assim? Por pensar na possibilidade de ver uma pessoa? Porque o Papa é assim tão especial?”.

Ainda hoje, Lúcia não tem respostas. Mas sabe que, quando o Papa passou, sentiu uma “alegria gigante”. E começou a chorar.

“Foi esse momento que me fez começar a aproveitar a JMJ. E foi aí que percebi que, se calhar, a religião ainda faz sentido na minha vida, faz sentido continuar a caminhar”.

A jovem nortenha acredita que há sítios de “prosperidade” para cada pessoa. Não o sítio em si, mas o significado do local: “Quando vamos lá, vamos com um propósito. O que temos dentro de nós é o que faz a diferença; é a busca interior, é a sede de algo. É quando temos as respostas a perguntas que tinham aparecido já há algum tempo”.

Primeira descrição

Dias depois de acabar, um pouco mais “a frio”: qual é a primeira palavra que vem à mente de Lúcia quando pensa na JMJ?

“Brilho”, responde.

E nova pausa.

Esta mais prolongada.

“Sinto que acendi um brilho interior. Sinto que parte de mim talvez se tenha reconectado”, completa.

Lúcia reforça que o Papa “carrega um brilho gigante” e cita o caso de uma jovem de 14 ou 15 anos que nem acreditava em Deus, mas que mudou a sua postura na JMJ porque nunca se sentiu sozinha ao longo do evento – mesmo quando estava sozinha, fisicamente.

“A Jornada trouxe um brilho a Portugal e a todo o mundo. Ajudou as pessoas a encontrarem-se. E, como a base da religião é o amor, espero mesmo que esta Jornada Mundial da Juventude tenha deixado mais amor entre as pessoas. Era isso mesmo que eu gostava que ficasse cá, na Igreja. Falta muito amor em muitas comunidades religiosas, é um dos principais problemas da religião”, finalizou Lúcia.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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