“Ele empurrou-me”. As suas últimas palavras condenaram o marido pelo seu homicídio

Fawziyah Javed Foundation

Fawziyah Javed, advogada britânico-paquistanesa de terceira geração, morreu em setembro de 2021.

As últimas palavras de uma Fawziyah Javed foram a prova decisiva para condenar por homicídio o seu marido.

“Não deixem o meu marido aproximar-se de mim. Ele empurrou-me.”

Estas foram as últimas palavras de Fawziyah Javed, enquanto jazia gravemente ferida numa encosta rochosa escocesa, 15 metros abaixo do topo da falésia onde tinha estado a caminhar com o marido, Kashif Anwar.

A advogada britânica, de 31 anos, estava grávida de 17 semanas e tinha acabado de dizer ao marido, com quem estava casada há menos de nove meses, que se queria divorciar. Acabou por sucumbir aos ferimentos naquela noite de setembro de 2021,  conta o HuffPost.

No topo do penhasco, um ponto turístico escocês conhecido como Arthur’s Seat, Anwar disse aos transeuntes que ele e a mulher tinham tropeçado, mas que tinha conseguido equilibrar-se — enquanto Javed caía pela encosta abaixo.

Mas as provas contavam uma história diferente, relatada pelas várias testemunhas que depuseram quando Anwar foi julgado pelo assassínio da mulher.

Nas audiências, nenhuma voz foi mais alta do que a da própria mulher que tinha matado. As suas últimas palavras, e as provas que recolheu durante meses, documentando os abusos do marido, fizeram de Javed a testemunha principal no julgamento do seu próprio assassínio.

Realizado em Edimburgo em março de 2023, o julgamento é o tema central de “The Push: Murder on a Cliff“, um novo e fascinante documentário de tribunal atualmente em exibição no Channel 4 no Reino Unido.

Javed, uma advogada de sucesso, era a única filha de Mohammed e Yasmin Javed, paquistaneses britânicos de segunda geração.

A pequena família era extremamente unida, e Fawziyah e a mãe tinham uma ligação especial. “Ela era mais do que uma filha“, diz Yasmin no documentário. “Ela era a minha melhor amiga.”

Yasmin Javed diz que o genro parecia “muito carismático, educado e bem-educado” — uma fachada que  perdia instantaneamente quando se zangava. “Era como o personagem de Jekyll e Hyde, que usava o controlo coercivo e a violência numa tentativa de forçar a mulher à submissão”.

As últimas palavras de Javed, por si só, poderiam não ter sido suficientes para condenar o marido. No entanto, a advogada foi decisiva na condenação do marido de outras formas.

Quando os maus tratos de Anwar passaram de ameaças e intimidações a ataques físicos, Javed contactou a polícia duas vezes. Não queria apresentar queixa, disse na altura, mas queria que ficasse registado que tinha denunciado os abusos.

A polícia filmou um depoimento em que Javed contou aos agentes que, cerca de três meses após o casamento, Anwar lhe tinha colocado uma almofada na cara e lhe tinha dado vários murros. Num outro incidente, ele deixou-a inconsciente, denunciou a advogada na altura .

Os jurados viram o vídeo destes dois depoimentos na polícia, o segundo das quais apenas seis dias antes da morte de Javed. Também foram reproduzidas em tribunal gravações secretas que Javed tinha feito de conversas com o marido.

Anwar recusou-se a testemunhar em sua própria defesa, pelo que, para além da gravação da chamada que fez para o 112 a reportar a queda, as suas ameaças à mulher foram as únicas palavras que o júri ouviu dele.

A dinâmica de poder da relação do casal mudou quase instantaneamente após o casamento, quando Javed foi viver com Anwar e os seus pais.

Os Anwars esperavam que a nova noiva fosse submissa e desse prioridade à relação com eles em detrimento dos seus próprios pais — uma tradição a que Javed e os seus familiares se opunham.

Os Javed não acreditavam que as mulheres devam ser subordinadas aos homens. Tanto Fawziyah como Yasmin eram membros da Muslim Women’s Network, que trabalha para promover a justiça social e a igualdade das mulheres e raparigas muçulmanas.

Depois do casamento, Javed lutou para manter a sua independência. Trabalhava a tempo inteiro e fazia voluntariado em várias causas de beneficência, e tinha a sua própria conta bancária — da qual, segundo os procuradores, o marido tinha retirado 12 000 libras, cerca de 14 mil euros.

Umas semanas antes da morte, Javed tinha estado uns dias em casa dos pais, o que enfureceu Anwar. A sua misoginia e comportamento controlador são evidentes numa chamada telefónica que ela gravou e que foi reproduzida em tribunal.

Quem é que tu pensas que és? Não és um homem... por isso, volta amanhã para casa, como te foi dito. Não sejas uma mulher britânica“. Ou seja, uma mulher independente que goza de autonomia fora do seu casamento.

És uma doença na vida de toda a gente“, diz Anwar noutra chamada, quando Javed estava com a família dela, a quem também já tinha ameaçado anteriormente. “Quanto mais depressa morreres, mais depressa sais da minha vida. Vai ser melhor.”

Yasmin Javed diz que a filha estava a planear deixar o marido, e que foi  surpreendente ela ter concordado com uma caminhada ao pôr do sol, uma vez que tinha medo de alturas e se cansava facilmente devido à gravidez.

Na véspera da caminhada, alguns hóspedes do hotel em que o casal ficou alojado ficaram tão alarmados ao ouvir Anwar gritar repetidamente com Javed que notificaram as autoridades.

O agente da polícia que chegou primeiro ao local da sua morte testemunhou que encontrou Javed “a contorcer-se de dor”, mas ainda capaz de falar. Reiterou o que tinha dito a um transeunte, acrescentando que o marido a tinha empurrado porque ela lhe tinha dito que “queria acabar” com o casamento.

Javed estava aterrorizada, contou o agente. “Será que vou morrer? Será que o meu bebé vai morrer?”.  Perdeu a consciência, e as tentativas de reanimação não tiveram êxito.O óbito às 22:18 horas.

Em abril de 2023, Kashif Anwar foi considerado culpado do homicídio de Fawziyah Javed, e condenado a uma pena de 20 anos a prisão perpétua.

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Fawziyah Javed, advogada britânico-paquistanesa de terceira geração, morreu em setenvbro de 2021.

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