São “batidas” que nunca tinham sido escutadas, criados por DJ’s que eram apenas clientes de discotecas ou clubes.
Uma discoteca, um club, uma boate. Locais para conviver e, na maioria do tempo, dançar. Locais em que pessoas ouvem música. Locais que não são frequentados por surdos? São.
Pode parecer surpreendente mas há muitas pessoas surdas que vão a esses espaços porque o sistema de som é tão forte, o volume é tão alto, que os surdos sentem as batidas e também dançam, ao mesmo tempo que observam o jogo de luzes.
Ainda mais surpreendente? Algumas das pessoas surdas que iam dançar e conviver para esses locais, agora são disc jockey (DJ).
Kikazaru falou à revista Mixmag sobre a sua experiência em Londres. Com auxílio da Academia de Som de Londres e graças a um sistema de áudio chamado SubPac, o DJ – que é surdo – contou que esta sua vida começou por causa um CD de Rage Against the Machine.
A sua mãe ficou cansada de ouvir sempre o mesmo CD (num volume bem elevado) e comprou discos de drum and bass. A partir daí foi sempre a ouvir drum and bass. E, mais tarde, começou a produzir música.
Como se esperava, foi rejeitado várias vezes por ser surdo. Uma vez ficou ao frio, no exterior de uma boate, durante 20 minutos – enquanto os responsáveis pelo local falavam sobre “o que fazer com aquele surdo que chegou para ser DJ”.
“Eu também não conseguia entendê-los e isso causou um pouco de stress, que não é necessário antes de tocar”, explicou. E esse não foi um incidente isolado: “Isso literalmente acontece sempre que chego a um local para tocar.”
“É impossível que ele toque. É louco”. Comentários que Kikazaru foi “ouvindo”. É um cenário estranho para muita gente – há clientes das discotecas que perguntam que aparelho é aquele que o DJ tem no peito (o sistema SubPac), pensam que é uma bomba.
Como é que funciona? Como é que um surdo é DJ? Kikazaru revelou que, graças à ajuda tecnológica, utiliza os olhos e até os mamilos durante as actuações.
“Sim, eu disse mamilos. Eu uso um SubPac como substituto dos auscultadores para que eu possa sentir a batida com o corpo e a parte superior serve para sentir as frequências com o queixo”, sublinhou.
Aliás, o ajuda de tecnologias como o SubPac permite que este DJ tenha passado a sentir frequências que nunca tinha sentido.
Robbie Wilde, mais conhecido por That Deaf DJ (aquele DJ surdo), já domina este mundo: “E é apenas uma questão de tempo para o mundo ouvir completamente quem eu sou”.
O DJ contou um facto curioso: “Quando as pessoas vêm ter comigo para pedir músicas, não consigo ouvir m… nenhuma”. Como se resolve a situação? Escrever num bloco de notas que já tem uma frase escrita: “Vais pedir uma música ou vais dar-me o teu número de telefone? Surpreende-me“.
Há estabelecimentos do sector que já foram construídos para os surdos sentirem as vibrações da música, as frequências, que estimulam os ossos e que são traduzidas em som no cérebro.
Troi Lee, ou DJ Chinaman, ajuda pessoas surdas. E foi o responsável pelo aparecimento da Deaf Rave, festa para os surdos, que começou há praticamente 20 anos.
Criou entretanto a primeira oficina para DJ’s surdos, o seu próprio festival, mas tem noção de que ainda há muito caminho para percorrer: “A nossa comunidade passa por muitas lutas, muitas pressões. Não é fácil para nós e acho que é uma batalha que está sempre em andamento”.
Mas o que também já está em andamento é que as batidas criadas pelos DJ’s surdos, por serem criadas por pessoas “diferentes”, também proporcionam música diferente, nunca sentida pelos clientes das discotecas.
No Brasil é que se chama boate a uma discotece, em Portugal essa palavra tem um significado bem diferente.