Disco em forma de panqueca ridiculamente uniforme intriga astrónomos

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NASA, ESA, CSA, STScI, S. Wolff, K. Su, A. Gáspár

Equipas de astrónomos usaram o poder combinado dos telescópios espaciais Hubble e James Webb da NASA para revisitar o lendário disco de Vega.

Carl Sagan acertou. Uma equipa de astrónomos acaba de identificar um disco de detritos com cerca de 160 mil milhões de quilómetros de diâmetro que rodeia a estrela Vega.

No filme de 1997, “Contacto”, adaptado do romance escrito em 1985 por Carl Sagan, a personagem principal, a cientista Ellie Arroway (interpretada pela atriz Jodi Foster), viaja num wormhole construído por extraterrestres até à estrela Vega.

Arroway chega a uma tempestade de detritos que rodeia a estrela — mas não são visíveis planetas óbvios. Parece que os cineastas acertaram.

Uma equipa de astrónomos da Universidade do Arizona, em Tucson, EUA, utilizou os telescópios espaciais Hubble e James Webb da NASA para observar em profundidade, sem precedentes, o disco de detritos com cerca de 160 mil milhões de quilómetros de diâmetro que rodeia a estrela Vega.

“Com os telescópios Hubble e Webb, obtém-se uma visão muito clara de Vega. É um sistema misterioso porque é diferente de outros discos circunstelares que já vimos”, disse Andras Gáspár da Universidade do Arizona, membro da equipa de investigação. “O disco de Vega é uniforme, ridiculamente uniforme“.

A grande surpresa, para a equipa de investigação, é que não há evidências óbvias de que um ou mais planetas grandes estejam a atravessar o disco que, da perspetiva da Terra, é visto de face. “Isto está a fazer-nos repensar a gama e a variedade de sistemas exoplanetários”, disse Kate Su da Universidade do Arizona, primeira autora do artigo científico que apresenta as descobertas do Webb.

O Webb vê o brilho infravermelho de um disco de partículas do tamanho de areia a girar em torno da escaldante estrela azul-esbranquiçada, 40 vezes mais brilhante do que o nosso Sol.

NASA, ESA, CSA, STScI, S. Wolff, K. Su, A. Gáspár

O Telescópio Espacial James Webb resolve o brilho da poeira quente num halo de disco, a 37 mil milhões de quilómetros de distância da estrela.

Já o Hubble capta um halo exterior deste disco, com partículas não maiores do que a consistência de fumo que refletem a luz da estrela.

NASA, ESA, CSA, STScI, S. Wolff, K. Su, A. Gáspár

O Telescópio Espacial James Webb resolve o brilho da poeira quente num halo de disco, a 37 mil milhões de quilómetros de distância da estrela.

A distribuição da poeira no disco de detritos de Vega é estratificada porque a pressão da luz estelar empurra os grãos mais pequenos para fora mais depressa do que os grãos maiores.

“Diferentes tipos de física localizam partículas de diferentes tamanhos em diferentes locais”, disse Schuyler Wolff da equipa da Universidade do Arizona, autora principal do artigo científico que apresenta as descobertas do Hubble.

“O facto de vermos os tamanhos das partículas de poeira ordenados pode ajudar-nos a compreender a dinâmica subjacente aos discos circunstelares“, acresentou.

O disco de Vega tem uma pequena divisão a cerca de 60 UA (unidades astronómicas – 1 UA equivale à distância Terra-Sol, cerca de 150 milhões de quilómetros) da estrela (o dobro da distância de Neptuno ao Sol). Mas de resto é muito uniforme até se perder no brilho da estrela.

Isto mostra que não há planetas com massa tão “pequena” quanto Neptuno a circular em órbitas largas, como no nosso Sistema Solar, dizem os autores do estudo.

“Estamos a ver em pormenor quanta variedade existe entre os discos circunstelares e como essa variedade está ligada aos sistemas planetários subjacentes, e a descobrir muito sobre os sistemas planetários – mesmo quando não conseguimos ver o que podem ser planetas escondidos”, acrescentou Su.

Ainda há muitas incógnitas no processo de formação planetária e penso que estas novas observações de Vega vão ajudar a restringir os modelos”.

Diversidade de disco

As estrelas recém-formadas acretam material de um disco de poeira e gás que é o remanescente achatado da nuvem a partir da qual se estão a formar. Em meados da década de 1990, o Hubble encontrou discos à volta de muitas estrelas em formação.

Os discos são provavelmente locais de formação planetária, migração e, por vezes, destruição. Estrelas completamente maduras como Vega têm discos poeirentos enriquecidos por colisões contínuas entre asteroides em órbita e detritos de cometas em evaporação.

Estes são corpos primordiais que podem sobreviver até à idade atual de 450 milhões de anos de Vega (o nosso Sol é aproximadamente dez vezes mais velho do que Vega).

A poeira dentro do nosso Sistema Solar (vista como a luz zodiacal) é também reabastecida por corpos menores que expelem poeira a um ritmo de cerca de 10 toneladas por segundo. Esta poeira é empurrada pelos planetas.

Isto fornece uma estratégia para detetar planetas à volta de outras estrelas sem os ver diretamente – apenas observando os efeitos que têm na poeira.

Vega continua a ser invulgar“, disse Wolff. “A arquitetura do sistema de Vega é muito diferente da do nosso Sistema Solar, onde planetas gigantes como Júpiter e Saturno impedem que a poeira se espalhe como acontece com Vega”.

Para comparação, existe uma estrela próxima, Fomalhaut, que está aproximadamente à mesma distância e tem mais ou menos a mesma idade e temperatura que Vega. Mas a arquitetura circunstelar de Fomalhaut é muito diferente da de Vega. Fomalhaut tem três cinturas de detritos aninhadas.

Os planetas são sugeridos como corpos “pastores” à volta de Fomalhaut, que constringem gravitacionalmente a poeira em anéis, embora ainda não tenham sido identificados quaisquer planetas.

“Dada a semelhança física entre as estrelas Vega e Fomalhaut, porque é que Fomalhaut parece ter sido capaz de formar planetas e Vega não?”, pergunta-se George Rieke da Universidade do Arizona, membro da equipa de investigação.

Qual é a diferença? Será que o ambiente circunstelar, ou a própria estrela, criaram essa diferença? O que é intrigante é que a mesma física está a funcionar em ambos”, acrescentou Wolff.

Primeira pista sobre possíveis “estaleiros de construção”

Situada na famosa constelação do céu de verão, Lira, Vega é uma das estrelas mais brilhantes do hemisfério norte. É lendária porque forneceu a primeira evidência de que o material que orbita uma estrela – presumivelmente o material para construir planetas – pode ser uma potencial “moradia” de vida.

Esta hipótese foi colocada pela primeira vez por Immanuel Kant em 1775. Mas foram necessários mais de 200 anos até que a primeira evidência observacional fosse recolhida – em 1984.

Um intrigante excesso de luz infravermelha proveniente de poeira quente foi detetado pelo IRAS (Infrared Astronomy Satellite) da NASA. Foi interpretado como uma concha ou disco de poeira que se estendia a duas vezes o raio orbital de Plutão a partir da estrela.

Em 2005, o Telescópio Espacial Spitzer, da NASA, mapeou um anel de poeira à volta de Vega.

Este facto foi confirmado por observações utilizando telescópios submilimétricos, incluindo o CSO (Caltech Submillimeter Observatory) em Mauna Kea, no Hawaii, o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) no Chile, e o Telescópio Espacial Herschel da ESA, mas nenhum destes telescópios conseguiu ver muitos detalhes.

“As observações do Hubble e do Webb, em conjunto, fornecem tantos mais pormenores que nos estão a dizer algo completamente novo sobre o sistema de Vega que ninguém sabia antes“, concluiu Rieke.

// CCVAlg

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