Bancos portugueses foram usados para a lavagem de dinheiro no âmbito do esquema de corrupção que estava a ser investigado pela jornalista de Malta, Daphne Caruana Galizia, assassinada no ano passado.
O Observador apurou que parte do “dinheiro sujo” envolvido num esquema de corrupção internacional que a jornalista maltesa estava a investigar passou pela Banca portuguesa.
Estão em causa, especificamente, os milhões de euros movimentados pelo banqueiro iraniano Ali Sadr Hasheminejad, de 38 anos, que foi detido nos EUA, a 19 de Março de 2018, sob suspeitas de crimes de conspiração, fraude bancária, branqueamento de capitais e violação das sanções económicas impostas ao Irão.
Hasheminejad era uma das altas figuras da vida económica e política de Malta que estava a ser investigada por Daphne Caruana Galizia. A jornalista morreu em Outubro de 2017, em Malta, na sequência de duas explosões no carro alugado onde seguia.
O banqueiro presidia ao Pilatus Bank, o banco de Malta que estava no centro da investigação. A jornalista apurou que Hasheminejad “facilitava a circulação de dinheiro sujo, por exemplo vindo dos petróleos do Azerbeijão, para várias pessoas poderosas”, nota o Observador.
Entre essas “pessoas poderosas” estarão o próprio primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat – foi durante o seu Governo que o Pilatus Bank obteve a sua licença bancária. E durante a investigação dos Panama Papers, em que Daphne Caruana Galizia também participou, foi descoberta uma conta suspeita em nome da mulher do primeiro-ministro.
Cinco meses após a morte da jornalista, Hasheminejad foi detido nos EUA, enfrentando uma pena máxima de 125 anos de prisão por vários crimes.
A acusação refere que o banqueiro criou “uma rede de empresas fictícias na Turquia e na Suíça e em paraísos fiscais”, para fazer “chegar mais de 150 milhões de dólares ao grupo da sua família no Irão, violando, assim, as sanções que são aplicadas ao país desde 1979″, cita o Observador.
A banca portuguesa surge neste esquema, no âmbito de pagamentos feitos à construtora iraniana da sua família, por obras na Venezuela, e como forma de contornar as sanções ecnómicas ao Irão.
A petrolífera estatal venezuelana PDVSA surge como entidade pagadora, sendo que os pagamentos foram efectuados através de contas em “bancos portugueses”, como refere o Ministério Público norte-americano, segundo nota o Observador.
A PDVSA foi “um cliente relevantíssimo” do BES, como admitiu o ex-banqueiro Ricardo Salgado, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do antigo banco.
Também a “Caixa Geral de Depósitos chegou a ter contas da PDVSA, pelo menos a partir de 2008, na sequência dos acordos de cooperação com a Venezuela assinados por comitivas lideradas pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates“, refere o Observador.
Não está confirmado, contudo, que estes bancos estão envolvidos na alegada “lavagem de dinheiro” efectuada por Hasheminejad, e mesmo que estejam podem não ter cometido quaisquer ilegalidades.
“Interesses políticos a bloquear investigação policial”
Até ao momento, as autoridades de Malta apenas detiveram três suspeitos do envolvimento no assassinato de Daphne Caruana Galizia. São três trabalhadores de armazém que terão ligações ao submundo do crime organizado.
O viúvo da jornalista, Peter Caruana Galizia, acredita que estes três homens acusados “são, simplesmente, assassinos a soldo contratados por terceiros“, conforme refere em entrevista ao The Guardian.
“Nem eu, nem os meus filhos estamos convencidos de que o nosso Governo quer realmente descobrir quem os mandou, por medo de que essas pessoas sejam muito próximas do Governo”, lamenta Peter, de 62 anos, que vive sob protecção policial permanente na casa de família. Os três filhos foram obrigados a deixar Malta, temendo pela sua segurança.
Peter alega que “interesses políticos estão a bloquear a investigação policial” e diz que “talvez nunca venhamos a saber a verdade” sobre quem matou Daphne.
Os filhos da jornalista chegaram a acusar Hasheminejad de ter “ameaçado despudoradamente” a mãe, no seguimento dos vários textos que ela escreveu.
Numa entrevista dez dias antes do seu assassinato, no âmbito de uma investigação humanitária, Daphne conta que sofreu várias ameaças ao longo da carreira de 30 anos como jornalista, lamentando que a transformaram num “bode expiatório nacional”.
Além de divulgação abusiva de fotos suas na Internet e de ser visada em inúmeros processos judiciais, Daphne fala de como, em 1995, depois de uma investigação sobre um traficante de droga, cortaram a garganta ao cão da família e o deixaram à porta de casa.
Em 2006, arremessaram pneus a arder contra a habitação a meio da noite. E em 2013, o presidente da Câmara de uma cidade de Malta liderou uma multidão que seguiu Daphne pela rua, insultando-a, até que ela conseguiu refugiar-se num convento, chamando a polícia.
Escute a gravação com a entrevista da jornalista que foi divulgada pelo Projecto Daphne, criado por 45 jornalistas de 15 países para darem continuidade às investigações da jornalista maltesa.