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Quando o dinheiro é machismo, até na comida há cortes. Ele manda em tudo

Sem dinheiro, ameaça, violência psicológica. E tudo começa lá atrás, quando o pai “era quem leva a comida para casa”.

Violência económica. Não é um fenómeno tão raro como alguns pensarão.

Aqui ao lado, em Espanha, de acordo com dados da Fundação Nantik Lum, cerca de 12% das mulheres sofrem todos os dias desse tipo de violência.

É uma violência machista; surge quando o dinheiro se torna um factor de domínio. Mas é um tipo de agressão ainda bastante desconhecida para os profissionais (na Justiça, por exemplo), pelo menos em Espanha.

É especialmente cruel e também uma intenção evidente de criar danos durante muito tempo. É planeada por parte do agressor, é intencional.

A certa altura, passa a ser normalizada. Ele assume as despesas se lhe apetecer, mas se não apetecer, leva uma vida quase de luxo enquanto deixa a companheira ou antiga companheira com problemas, com dívidas, com dificuldade em pagar contas da casa ou despesas de educação da criança; ou ambas.

Mas a violência económica é invisível.

Tal como outras violências mais disfarçadas: psicóloga, sexual e institucional.

O contexto de María

A RTVE recolheu testemunho de uma dessas vítimas. María tem stress pós-traumático, o pai do seu filho tira o dinheiro que seria para a criança, ela ficou endividada para pagar a educação do filho, e teve que deixar o emprego – porque era companheira de trabalho do ex-marido. Foi ela que saiu, ele continuou na empresa.

O contexto já vem de trás. María cresceu num ambiente familiar em que reinava o patriarcado. Num modelo autoritário, o seu pai era “quem levava comida para casa”.

O respeitinho é obrigatório: “Às vezes, o meu pai mostra as contas à minha mãe para que ela perceba que é ele quem lhe dá o dinheiro e que ela seria uma ingrata se pensasse o contrário”.

A mãe quase nunca saía de casa; mas o pai avisava sempre que ficava a pensar no que ela estava a fazer quando saía.

Ainda hoje… A mãe precisa sempre da assinatura do pai quando vai ao banco. “Ele faz e desfaz lá em casa. É o dono das casas e dos carros. É tudo dele“.

“Fico sozinha”

Lucía, outra vítima, começou a ficar sozinha quando se casou e sobretudo quando foi mãe pela primeira vez: “Sou eu que concilio trabalho e criança, sempre sozinha. Sou eu que me preocupo com a gestão laboral e familiar”. Algo que Maria também sentiu.

Quatro anos depois, abre uma padaria e o negócio começa a ser muito rentável. Até que veio a crise económica mundial de 2008 e, com ela, dívidas e economia familiar tóxica. O dinheiro dela era para pagar a hipoteca, o dinheiro líquido vinha do agora ex-marido. Lucia não tinha autonomia. E o ex-marido nunca a ouviu quando ela alertou para o perigo que a família passava, a nível económico.

“O orgulho dele estava a arrastar-nos”, lamenta ainda hoje.

Psicologia, comida

Sem surpresas, a grande maioria (91,2%) das vítimas de violência económica sofre a nível psicológico.

manipulação constante: o agressor pressiona a vítima, exige que ela lhe pague coisas – mesmo que isso coloque em causa a estabilidade financeira dela.

No caso de María, até a comida dela foi alvo de cortes. Ela ficava sem a alimentação necessária, ele tem um nível de vida dispendioso, “a comer fora, com caprichos, saídas… Até chega a atirar-me à cara o que come”.

E ainda sobre a comida: quando namoravam, se ela trazia comida porque eles estavam fora de casa e não iam ao restaurante, era só ele que comia. Sempre. Se fosse ele a chegar com a comida… também era ele que comia tudo. “Porque a minha mãe preparou isto tudo para mim”, alegava.

ZAP //

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