Uma equipa internacional de arqueólogos descobriu novos detalhes sobre a antiga Roma depois de vários anos de escavações na igreja de São João de Latrão (San Giovanni in Laterano), que confirmaram ser a primeira catedral do mundo.
A investigação, apoiada pela Escola Britânica de Roma, contou ainda com a participação das universidades de Newcastle, no Reino Unido, de Florença, em Itália, e de Amesterdão, na Holanda, e conseguiu trazer à luz todo o esplendor das sucessivas transformações da antiga cidade de Roma, nota a Europa Press.
Os cientistas criaram, pela primeira vez, uma imagem holística desta catedral que, não só é a mais antiga do mundo, como espelha grande parte da história da cidade de Roma.
Para a investigação, os arqueólogos percorreram e analisaram passagens subterrâneas que estão localizadas sob a catedral, analisando os remanescentes dos edifícios que assistiram a construção da cidade. Depois, cruzaram os seus dados com os estudos já existentes e criaram uma imagem digital do espaço.
A igreja, conhecida como a catedral do Papa, foi originalmente construída no século IV d.C após uma vitória de Constantino (306–337), o primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo. Localizada na colina de Caelia, a catedral terá dominado o horizonte romano à luz da época.
Contudo, e tal como revela a investigação agora publicada na revista Current World Archaeology, este espaço já era usado há anos. Para construir a sua catedral, Constantino varreu Castra Nova, a luxuosa sede imperial da cavalaria, construída mais de um século antes pelo imperador Septimio Severo (93–211).
E, da mesma forma, Servero já havia destruído as casas palacianas de alguns dos residentes mais poderosos de Roma para abrir caminho para a construção do seu “novo quartel” imperial.
Este processo quase cíclico de construção e destruição revela que, durante centenas de anos, estabeleceram-se “camadas” da história de Roma, refletindo, em grande parte, as mudanças e as prioridades do Império romano.
Tendo em conta o potencial arqueológico da catedral, a equipa passou anos a escavar o local,muito abaixo das ruas modernas de Roma, trazendo à luz a primeira imagem holística em centenas de anos da história romana. Os cientistas recorreram à cartografia digital, a radares de penetração do solo, bem como a técnicas de visualização em 3D para projetar a antiga catedral.
A partir das informações recolhidas, e contado com a colaboração de alguns dos mais importantes especialistas em visualizações em três dimensões, a equipa reconstruiu o esplendor dos edifícios que foram destruído ao longo dos séculos. De acordo com a equipa, este é um dos primeiros projetos do mundo a utilizar a técnica de mapeamento laser terrestre numa área tão extensa para fomentar a investigação arqueológica.
A investigação permitiu ainda estudar como é que os diferentes edifícios que ocuparam o local evoluíram e como é que se relacionam entre si, dando uma ideia da escala que cobre o local que ocupa uma área de quatro hectares.
“Há uma grande área de espaço sob Letrão onde é possível caminhar ou rastejar”, explicou Ian Haynes, co-diretor do Projeto de Latrão e professor de arqueologia na Universidade de Newcastle, que falou em exclusivo à revista que publicou a investigação.
“A arqueologia encontra-se em diferentes níveis debaixo [da catedral]: em profundidade, estivemos a 8,5 metros debaixo da superfície moderna. Para aceder a alguns espaços, trabalhamos com um grupo chamado Roma Sotteranea que é especializado em trabalhar em locais subterrâneos e usa exatamente o mesmo equipamento e técnicas que os arqueólogos”, começou por explicar.
Em alguns locais, explicou o cientistas, foi “necessário rodar as equipas a cada meia hora porque, caso contrário, o ambiente tornava-se sufocante”.
A construção da catedral foi um momento crucial que marcou o começo dos principais edifícios cristãos que vieram a definir Roma, sendo também um poderoso símbolo de como os militares abriram caminho para a religião na antiga Roma.
Em 312 d.C, o exército de Constantino venceu o usurpador Maxêncio (278-312) na Batalha da Ponte Milvian. após a vitória, a base da cavalaria foi destruída, bem como alguns dos edifícios próximos. A área foi depois cedida à Igreja, proporcionando o lugar perfeito para Constantino apresentar a sua visão renovada de Roma.
“O terreno pode ter sido entregue à Igreja poucas semanas após a batalha. Tomou-se a decisão e, pouco depois, começou o trabalho em Latrão, pouco anos antes do de São Pedro”, disse o arqueólogo. “A catedral foi reconstruida na década de 1650, mas ainda há um tecido original de Constantino nas paredes, enquanto que as fundações originais ainda estão expostas debaixo da igreja”.
“Vários esforços foram feitos desde então para reconstruir [a sua versão original] e, por isso, quiséssemos reunir todas estas informações para criar uma catedral digital qualquer pessoa pudesse ‘andar’ (…) Incorporamos informações de escavações anteriores e criamos também um modelo mais simples para testar a acústica e tentar entender como é que os sons teriam funcionado na basílica”, rematou.