Um motorista de autocarros de Coimbra foi suspenso depois de ter sido filmado enquanto assediava uma jovem num veículo dos SMTUC, a empresa de transportes públicos da cidade. O caso está a dar destaque a um fenómeno que sempre existiu, mas agora as denúncias das vítimas estão a aumentar.
O tema do assédio sexual volta à discussão pública depois de ter sido divulgado um vídeo, nas redes sociais, onde uma jovem é assediada por um motorista dos Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC).
As imagens terão sido registadas no passado sábado, por volta das 10 da manhã, na linha 2T, num autocarro que faz o percurso Manutenção-Vil de Matos, como reporta o jornal local Notícias de Coimbra.
A jovem assediada seria a única ocupante do autocarro e terá sido ela própria a filmar o motorista enquanto este dizia que precisava de voltar ao trabalho, mas que não lhe “apetecia”.
“Não me apetecia nada conduzir, apetecia-me antes outra coisa sabes?”, nota ainda o motorista enquanto a jovem lhe vai pedindo para “ir conduzir” e vai repetindo “não”, por várias vezes, e insistindo que tem “trabalhos para a escola”.
A dada altura, o motorista que se encontrava muito próximo da vítima terá tentado tocar-lhe enquanto ela ia insistindo “não”.
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Os SMTUC já anunciaram a abertura de um processo disciplinar ao motorista, bem como a sua suspensão preventiva enquanto este decorre.
“A Câmara Municipal de Coimbra e o Conselho de Administração dos SMTUC repudiam veementemente o comportamento” do motorista, aponta-se ainda numa nota divulgada na página do Facebook dos SMTUC.
Plataforma recolhe denúncias de Bragança até Madrid
O assédio sexual é um fenómeno com que as mulheres, de todas as idades, convivem há anos. Mas, nos últimos tempos, têm aumentado as denúncias desses incidentes.
Para dar eco a esses testemunhos, foi criado o blogue Cansei de Assédio que pretende recolher testemunhos de vítimas de importunação sexual.
A plataforma pretende recolher “narrativas e opiniões sobre o assédio em espaço público e online” e apresenta esses casos num mapa.
Assim, no site, é possível ler sobretudo relatos de Lisboa e Porto, mas também há depoimentos de outros locais, como um relato da Sertã que conta que “três mulheres adultas assediaram-me verbalmente“.
“Na rua onde passei havia uma obra e um dos homens (trolha) parou de trabalhar, aproximou-se de mim e sussurrou-me ao ouvido Boa Tarde”, conta outro relato de Bragança.
“Quando era mais nova, talvez até aos 16/17 anos, nos almoços e jantares de família, o meu tio dava-me uma palmada no rabo quando passava por ele. Da última vez, confrontei-o, disse para não fazer mais isso e ele disse que não estava a fazer nada de mal”, relata uma jovem que se localiza perto de Abrantes.
“Um homem com mais uns cinco anos que eu pediu para me levar para um canto, para fazermos algo. Prendeu-me os pulsos, e queria-me forçar a ir. Perguntou informações sobre mim e quando finalmente me largou comecei a correr”, regista outra pessoa em Avintes, próximo do Entroncamento.
“Atravessei a passadeira para o lado da rua onde os carros estavam parados no semáforo. Um homem dentro do carro chamou-me para pedir direcções e quando me aproximei, tinha o pénis fora das calças“, refere um testemunho do Porto.
“Todas as vezes que vou correr até à marginal sou atacada com piropos, buzinadelas, olhares de assédio e comentários sobre a minha nacionalidade: essa aí tem cara de quem vem do Brasil”, conta uma brasileira a viver no Porto.
“O meu chefe fez múltiplos comentários à minha aparência física, tendo insinuado que fui seleccionada para o meu trabalho porque ‘espalhei charme’ e não pela minha experiência e qualificações. Quando fui assediada por utentes disse que a culpa era minha”, regista outra pessoa do Porto.
“Parei de ir à praia de Carcavelos porque todos os anos acontece qualquer coisa, desde homens a dirigirem-se a mim, a insistirem pelo meu número, a homens a tirarem-me fotografias. Isto acontecia mais quando eu era menor de idade“, constata ainda outro relato.
Mas também há um depoimento de Madrid de uma pessoa que conta que foi assistir a um espectáculo de drag queens e que se queixa de que foi “apalpado pela drag que comentou também sobre os [seus] genitais em público”.
“Chega de assédio”
A plataforma foi criada pela brasileira Alícia Medeiros, formada em Arquitectura e Urbanismo no Brasil e a fazer um doutoramento em Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Alícia Medeiras conta ao Público que foi “assediada e perseguida” no Brasil e que pensou que em Portugal, por ser um país “mais seguro”, não ia acontecer o mesmo. Mas deu por si a sentir que não estava “à vontade no espaço público” no nosso país por causa de “um certo medo” do assédio, refere.
Foi, assim, que começou a recolher testemunhos de assédio no âmbito da sua tese de doutoramento. O objectivo é “chamar a atenção para o assunto”, mas o blogue até pode levar, futuramente, a “desenhar algumas estatísticas” sobre o fenómeno, diz.
Aquando da entrega da sua tese de doutoramento, Alícia Medeiros pretende também montar uma exposição com alguns dos relatos recebidos para transmitir a mensagem de que “chega de assédio”.