Consumiram-se menos drogas durante a pandemia. À exceção da cocaína e da heroína

Mais de 4600 consumidores de drogas foram inquiridos entre março e maio de 2021 e cerca de um terço dos utilizadores de canábis reduziram consumos.

Segundo o Público, o ecstasy foi a droga que registou as maiores quebras, com a exceção do consumo da cocaína base/crack e de heroína, que não diminuiu.

Mais de metade dos consumidores alterou os hábitos em tempo de pandemia. A canábis é a droga predominante e entre 30% a 40% dos utilizadores reduziram o consumo no período em análise, sobretudo jovens entre os 18 e os 24 anos.

Ainda assim, esta foi a redução menos significativa. A maior diminuição verificou-se na utilização de ecstasy.

Os dados foram divulgados esta quarta-feira no relatório “Comportamentos Aditivos em tempos de Covid – Alterações no consumo de drogas ilícitas”.

Resultou de um inquérito do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência feito em vários países. Em Portugal foi implementado em colaboração com o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Dos 4685 inquiridos, 64% consomem canábis. Ludmila Carapinha, autora do estudo, referiu em entrevista ao Público que “a gama de utilizadores de canábis é muito alargada, assim como as suas motivações”.

Neste grupo, o destaque vai para os jovens dos 18 aos 24 anos. Cerca de 35% dos que consomem “erva” e 40% dos que consomem haxixe dizem ter usado menos vezes a substância, algo que a autora consegue explicar pelo contexto em que normalmente os jovens recorrem à cannabis.

“Os mais jovens usam essencialmente quando estão com os amigos, no exterior. É um contexto mais de diversão, socialização, daí ter diminuído”, explica.

“As motivações para usar canábis não estão tão associadas a oportunidades de lazer e de contacto interpessoal. A pessoa usa a canábis mesmo em casa, sozinha, e em contexto de pandemia não se sente tanto o efeito como se sente noutras substâncias que estão mais associadas à diversão”, notou a investigadora.

À semelhança do que se verificou em 2020, com o consumo de álcool a ser mais reduzido entre os mais jovens, também esse impacto é confirmado quanto às alterações provocadas pela pandemia.

“Têm menos oportunidades” para consumir, sublinha Ludmila Carapinha. A frequência mais comum de consumo nestas idades foi entre um a cinco dias, nos 12 meses anteriores ao inquérito.

Ainda no que respeita ao consumo de canábis, importa ressalvar que a faixa dos 45 aos 54 anos de idade se destaca por consumir com maior frequência, “num registo diário/ quase diário”, assim como os que têm entre os 25 e os 34 anos e o grupo de pessoas dos 35 aos 44 anos.

O relatório aconselha, de resto, uma atenção particular “àqueles utilizadores que aumentaram o consumo”.

Ecstasy regista mais quebras

Já no caso do ecstasy, mais de metade dos utilizadores, 56%, recorreu menos vezes à substância. Ludmila Carapinha elucida que o cenário que se verificou em Portugal tem-se também verificado noutros países europeus.

“De uma forma geral, o ecstasy destaca-se mesmo em relação às outras drogas ilícitas como aquela em que o consumo mais diminuiu”, realça.

“As hipóteses que podemos colocar, que até têm algum fundamento empírico, têm a ver com as motivações e com os contextos em que se consome ecstasy: é um produto que, por norma, é mais usado em contextos de diversão, para promover a sociabilização e o contacto interpessoal”, explica ainda a investigadora.

Tendo em conta que o estudo remonta a um período pandémico, entre 2020 e 2021, durante o qual ocorreram confinamentos e os bares e discotecas estiveram encerrados em boa parte do tempo é, por isso, justificável que a utilização da substância tenha diminuído.

“Estas oportunidades de lazer e diversão em festas ou discotecas foram limitadas”, refere Ludmila Carapinha. “Havendo menos oportunidades, o consumo também diminuiu porque a motivação, em geral, não é para consumir sozinho em casa”.

O relatório apresenta ainda outra razão, além das já enumeradas, para o menor consumo de ecstasy neste período.

“Considerando os dados disponíveis relativamente ao mercado, o ecstasy foi o produto ilícito que registou as maiores variações entre 2019 e 2020 ao nível dos vários indicadores, no sentido da diminuição da sua disponibilidade”.

“O número de apreensões e as quantidades confiscadas diminuíram razoavelmente, tendo diminuído também o preço, enquanto a pureza manteve a tendência de aumento”, pode ler-se no documento.

Cocaína e heroína mantêm consumos

O consumo da cocaína base/crack e da heroína não diminuiu, com cerca de metade dos consumidores a referir ter consumido o mesmo que no período anterior.

A autora do estudo deixa o alerta. “Será um grupo a ter particular atenção tendo em conta que é um grupo vulnerável em termos sociais, económicos ou de saúde”.

“Estamos numa fase que, do ponto de vista social, vai trazer grandes desafios porque a seguir à pandemia deverão seguir-se muitas dificuldades a nível económico e esta é uma população que carece de uma intervenção especial em termos de minimização de danos”, desenvolve Ludmila Carapinha.

O estudo realça ainda que “embora predomine a estabilidade dos consumos, ocorreram, também quanto a estes produtos, movimentos quer de diminuição quer de incremento do consumo”.

Devido à reduzida dimensão das amostras torna-se difícil fazer uma análise quanto ao impacto diferencial da pandemia.

“Tendo presente esta limitação, destaca-se o maior incremento do consumo de cocaína base/crack nas mulheres, em comparação com os homens”, lê-se.

Relativamente às limitações do estudo, que teve por base um inquérito online entre março e maio de 2021, e dizia respeito aos 12 meses anteriores à data de resposta, o relatório refere que “não foi um estudo desenvolvido especialmente para estudar o impacto da pandemia nos consumos, pelo que não viabiliza um estudo mais aprofundado do tipo de impactos e de variáveis condicionantes”.

Tendo em conta que se trata de uma investigação de “amostragem de conveniência”, não é possível fazer a assunção de conclusões para a totalidade da população de utilizadores de cada um dos produtos.

Apesar dos esforços de divulgação desenvolvidos, alguns consumos, como o de heroína e de cocaína base/crack, baseiam-se em amostras de pequena dimensão.

ZAP //

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