Há consultas de saúde mental no meio de uma exposição e num jardim

(dr) Manicómio

“Consultas sem Paredes”, em Lisboa, é iniciativa do Manicómio e do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental.

A intenção é vencer barreiras, as físicas e as do estigma, retirar a saúde mental dos consultórios e arriscar cuidar dela no museu, no meio de uma exposição, ou até no jardim, com Lisboa de um lado e o rio Tejo do outro.

Chama-se “Consultas sem Paredes” e é uma iniciativa conjunta do Manicómio, um projeto social e cultural que tenta desconstruir a doença mental com a ajuda da arte, e do MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia.

Nestas consultas de psicologia e psiquiatria, o paciente não se deita no sofá nem se fecha com o terapeuta num gabinete médico. A ideia, inovadora, é ter a consulta num ambiente diferente, aberto, criativo e que o ajude a deixar-se ajudar.

“A ideia foi expandir um projeto-piloto que começou dentro do próprio espaço do Manicómio, que é um espaço de `coworking` no Beato (Lisboa), onde diferentes profissionais estão a trabalhar”, explicou à agência Lusa Patricia António, psicóloga envolvida no projeto e que agora, uma vez por semana, dá consultas no MAAT.

Disse que a ideia é mesmo “quebrar o muro e os estigmas para a acessibilidade à saúde mental”, de uma maneira inovadora.

“Uma consulta sem paredes é retirar esse invólucro que muitas vezes inibe o pedido de ajuda (…) e criar esta ideia de que a saúde mental também pode ser vista”, acrescentou.

Estas consultas, que começaram nas instalações do Beato, viajaram em setembro até ao MAAT e o Manicómio pretende levá-las, no próximo ano, até Cascais.

Houve este progresso, saiu-se do hospital, foi-se para um espaço de `coworking` e agora estamos num espaço criativo, de museu (…), com esta envolvente muito mais aberta ao mundo”, considerou.

A psicóloga, uma de várias que aqui dão consultas desde setembro, explicou que a escolha do espaço onde decorre é conjunta entre a pessoa que se inscreve e o terapeuta: pode ser entre duas peças de arte, na cafetaria do museu ou no exterior, por exemplo, no jardim, no topo do edifício, com o Tejo e a margem sul como pano de fundo.

“Quando a pessoa está numa relação terapêutica já estabelecida, às vezes até escolhe o mesmo sitio, quase como uma ideia de simbolismo, aquele nosso cantinho (…)”, contou Patrícia António, sublinhando: “Cabe ao técnico de saúde mental tecer o espaço da relação”.

Não há muros, não há paredes, mas a relação com o terapeuta “tem um continente, um conteúdo seguro“: “Nós oferecemos esse espaço de confidencialidade para uma partilha que se quer implícita, intima e que se quer criativa também, para ajudar a transformar o sofrimento psicológico de quem nos procura”.

A maior procura tem sido de jovens adolescentes e adultos, mas o projeto está a tentar contratar mais especialistas para permitir “uma assistência ao ciclo de vida, na primeira infância, nas crianças, e não ficar só na adolescência e idade adulta”, explicou.

“É uma inevitabilidade e vai acontecer porque acho que o projeto já deu provas de que faz acontecer (…). E criar esta rede é também criar este movimento de ativismo em saúde mental, que dá nome à coisa”, conta Patrícia António, que dá um dia por semana do seu tempo às “Consultas sem Paredes”.

Insistiu que “cada caso é um caso” e explicou que é no acolhimento inicial que se diagnosticam as necessidades de cada um: “A pessoa pode ter um projeto de aconselhamento de consulta psicológica em que pode vir uma vez por mês, e aí é uma espécie de psicoterapia de apoio, ou realmente pode ter indicação clara e inequívoca para iniciar uma psicoterapia de média e longa duração”.

Elucidando que se trata de “um trabalho de fundo, e não de uma corrida de 100 metros”, Patricia António destacou a importância de vencer estigmas, restaurar a confiança e construir novas alternativas de acessibilidade aos cuidados especializados em saúde mental, muitas vezes caros demais para quem deles precisa.

“Neste caso, o valor [35Euros] é cerca de metade de uma consulta no privado (…) e envolve o trabalho em dupla multidisciplinar pois muitas pessoas têm psiquiatra e psicoterapêutica, sem se pagar mais por isso”, explicou.

Em declarações à Lusa, o diretor do MAAT, João Pinharanda, explicou que entende que a sua missão no museu é “quebrar barreiras”, desde a acessibilidade à visão, passando pela audição e estendendo-se, agora, à saúde mental.

“Pensamos principalmente na acessibilidade física. A de locomoção é a que está mais bem resolvida em todo o lado, inclusivamente aqui. Mas depois, pensamos também como é que se resolve um problema de visão num museu, em que as coisas são fundamentalmente para ver”, exemplificou.

O projeto está desenhado para durar um ano, com possibilidade de ser renovado, depois de avaliado.

João Pinharanda defendeu igualmente que o museu tem o papel de “estar atento a todas as frentes do conhecimento, sem entrar em demagogia, nem populismo, nem simplismo”.

“E tenho a certeza que o Manicómio (…) e a sua equipa sabem isso muito bem”, acrescentou.

// Lusa

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