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“Conluio” nos spreads dos créditos. Cartel da banca durou mais de dez anos

Marcos Santos / USP Imagens

O Tribunal da Concorrência deu como provado que os principais bancos do mercado português partilharam informação sensível e confidencial, nomeadamente quanto aos spreads dos créditos à habitação e ao consumo, numa “coordenação informal” que permitiu a redução das incertezas comerciais.

A análise de mais de 90 mil ficheiros electrónicos dos bancos, incluindo diversos emails trocados entre bancários de várias instituições, permitiu concluir que colaboradores das várias entidades trocaram informações confidenciais, que não eram públicas, que permitiram uma “coordenação informal”.

Este “cartel da banca”, como é chamado, durou entre 2002 e 2013 e permitiu reduzir a incerteza comercial, conforme o acórdão do Tribunal da Concorrência a que o Público teve acesso.

Na última quinta-feira, o Tribunal concluiu que os principais bancos que actuam em Portugal trocaram dados sobre “taxas de spread, poderes de crédito, custos associados à transferência do crédito à habitação”, entre outras informações, acedendo, assim, a informação privilegiada e que não era pública.

Essa partilha permitiu aos bancos envolvidos ficar com “uma perspectiva abrangente do preçário (actual e futuro)” e de “variáveis de risco e performance” dos concorrentes, frisa o Tribunal citado pelo Público.

“O detalhe, o rigor, a abrangência, a fidedignidade e a regularidade temporal da informação trocada” permitiu aos bancos “mitigarem o risco de pressão comercial que sobre si impendia” e “reduzir a incerteza e riscos conexos ao comportamento estratégico de um concorrente”, aponta ainda o Tribunal.

Os dados eram partilhados por email e por telefone entre os funcionários com o aval das administrações que “autorizavam previamente a troca de informação”, aponta também o Tribunal.

O presidente não executivo do BPI, Fernando Ulrich, confirmou isso mesmo quando foi ouvido, apresentando uma postura “notoriamente” distinta dos representantes de outros bancos, como nota a juíza Mariana Gomes Machado citada pelo Público.

Ulrich assumiu o envolvimento do BPI e esclareceu que os funcionários participantes na troca “não tinham autonomia” para procederem à partilha por sua iniciativa” e que, assim, só agiram com “autorização da hierarquia para tanto”, aponta o acórdão.

Bancos recorreram de multas de 225 milhões

A Autoridade da Concorrência condenou 14 bancos a multas de 225 milhões de euros – a CGD ao pagamento de 82 milhões de euros, o BCP a 60 milhões, o Santander Totta a 35,65 milhões, o BPI a 30 milhões, a CEMG a 13 milhões, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria a 2,5 milhões, o BES a 700 mil euros, o Banco BIC a 500 mil euros, o Deutsche Bank e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350 mil euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150 mil euros e o Banif (que não recorreu) em mil euros.

O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou o pedido de clemência, viu suspensa a coima de 8 milhões de euros que lhe foi aplicada.

A decisão do Tribunal da Concorrência surge no âmbito dos recursos apresentados pelos Bancos às coimas de 225 milhões de euros, remetendo o processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Assim, o Tribunal europeu é chamado a pronunciar-se sobre se os factos constituem restrição de concorrência por objecto, por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.

Dada a natureza urgente dos autos, por risco de prescrição, a remissão ao TJUE é feita com pedido de tramitação acelerada.

ZAP // Lusa

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