Investigadores descobriram que a região de onde vêm os nossos impulsos é diferente daquela onde são travados — algo que pode ter implicações na investigação futura das doenças de Parkinson e Huntington.
O controlo dos impulsos não é algo simples. A capacidade de esperar pelo apito de partida numa corrida, por exemplo, mostra a nossa capacidade de anular o impulso de avançar, segundo realça o Público.
O impulso é travado numa das vias neuronais situadas nos gânglios da base do nosso cérebro. Nestes gânglios temos duas vias neuronais principais: a direta e a indireta.
É na via neuronal indireta que se desenrola o processo de travar um impulso, mas a ideia de que estas duas vias neuronais são cruciais na nossa intenção de agir ou de não agir não é recente.
Os investigadores já acreditavam que a via direta reforçava o impulso de agir e que a via indireta anulava esta vontade. Em 2016, uma equipa da Fundação Champalimaud demonstrou que a estimulação da via direta dos gânglios basais reforçava a ação, em ratos utilizados para esse estudo.
Um outra equipa da fundação direciona agora o alvo para as duas vias neuronais. Os resultados do novo estudo, publicados na revista científica Nature, explicam melhor a forma como o impulso é gerido nas nossas redes neuronais.
Esta nova investigação traz também luz a estudos de patologias com sintomas motores, como é o caso das doenças de Parkinson e de Huntington.
Além do papel da via neuronal indireta no controlo da impulsividade, os cientistas fizeram outra descoberta: é no estriado dorsomedial — uma região dos gânglios basais associada à cognição — que os impulsos têm origem.
O estriado é o local onde as vias neuronais direta e indireta enviam informação para outras regiões dos próprios gânglios basais. Em simultâneo, são enviadas duas informações: uma para criar um impulso, outra para travar esse impulso.
Depois do trabalho com modelos matemáticos, a equipa passou às experiências em ratos, inibindo no estriado dorsomedial a transmissão de informação que parte da via direta: os animais mudaram o seu comportamento, diminuindo os impulsos.
Joseph J. Paton, investigador que liderou o estudo da equipa, explicou em entrevista ao Público que o nosso quotidiano está repleto de situações em que temos de dominar os nossos impulsos.
“Desde uma criança na escola que quer responder a uma pergunta da professora, mas deve esperar até ser chamada, até a alguém que quer inibir a vontade de comer um doce porque sabe que depois se vai sentir mal, são inúmeros os exemplos em que temos de controlar os conflitos entre uma multiplicidade de vontades”, realça Paton.
Mas pensando numa perspetiva oposta, nestes impulsos também conseguimos alocar alguns dos sintomas de doenças como a Parkinson ou a Huntington, dois dos exemplos referidos pela equipa de cientistas.
“A doença de Parkinson é, em grande parte, causada pela morte das células que usam dopamina, um neurotransmissor implicado nesta doença. Estas células enviam informação pelas vias direta e indireta, que usam diferentes recetores de dopamina”, sublinha Paton.
No caso de pessoas que tenham a doença, a via indireta torna-se mais ativo e trava, por exemplo, o impulso do movimento.
“Quando os sujeitos recuperam a capacidade de se mover e a via indireta volta aos níveis originais de atividade, o mesmo não acontece com a via direta”, esclarece Paton, adiantando que este pode ser um novo alvo de investigação para o tratamento da doença de Parkinson.
O investigador indicou ainda que o novo estudo pode ter implicações noutras doenças que possuam sintomas relacionados com impulsos.
“É interessante pensarmos noutras doenças como, por exemplo, a doença de Tourette, a doença obsessivo-compulsiva ou o transtorno de défice de atenção com hiperatividade. Apesar de serem mais cognitivas, também envolvem a desregulação deste equilíbrio entre a promoção e a inibição de comportamentos“, realça.
“É importante começarmos a pensar mais sobre possibilidades variadas, que podem explicar inclusive alguns dados difíceis de entender. Temos tendência para pensar de maneira muito linear e é difícil pensar que podemos ter múltiplas formas de atuação”, conclui Paton.