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Combustíveis são o início. Aumento de custos vai chegar a toda a economia

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A guerra na Ucrânia está a lançar a economia mundial, e a portuguesa em particular, para um período que pode ser, em simultâneo, de estagnação da economia e de aceleração dos preços.

O aumento drástico dos preços registado esta segunda-feira nos postos de abastecimento nacionais fez os portugueses sentirem, pela primeira vez, os impactos negativos da guerra na Ucrânia nas suas finanças pessoais.

Infelizmente, esta poderá não ser mais do que uma amostra daquilo com que vão ter de se deparar nos próximos meses, numa altura em que mesmo um regresso da estagflação — estagnação económica com inflação alta — não pode ser colocado de parte, segundo noticia o Público.

Se a economia ucraniana será, de longe, a economia mais afetada pelo conflito, seguindo-se depois a Rússia, devido aos efeitos da sanções económicas impostas pelo Ocidente, a verdade é que são muito poucos os países do mundo que estarão a salvo de um impacto negativo significativo nas suas economias.

Os bloqueios impostos nos fluxos comerciais e financeiros, a disrupção que deverá causar nas cadeias de distribuição internacionais, o clima de incerteza que gera entre investidores e, principalmente, a escalada nos preços da energia e dos alimentos que já está a criar nos mercados, fazem com que a guerra na Ucrânia produza, como alertou este fim-de-semana o Fundo Monetário Internacional, “um impacto severo na economia mundial”.

Apesar de o conflito ter começado apenas há uma semana, várias entidades já estão a rever as suas previsões para a economia mundial.

A Economist Intelligence Unit anunciou uma revisão em baixa da previsão para o crescimento mundial deste ano de 0,5 pontos percentuais, de 3,9% para 3,4%.

O britânico National Institute of Economic and Social Research (NIESR) também retirou 0,5 pontos percentuais ao crescimento global deste ano e 0,7 pontos ao crescimento de 2023.

E, de acordo com as contas da Oxford Economics, o crescimento global será, num cenário em que o conflito perdura até 2023, 0,6 pontos percentuais inferior este ano e 1,1 pontos no ano seguinte.

Por seu lado, as taxas de inflação são fortemente revistas em alta: o NIESR prevê agora uma inflação mundial quase três pontos percentuais mais alta este ano e quase dois pontos mais alta em 2023.

É um cenário em que a economia mundial, numa altura em que se esperava que estivesse a consolidar a retoma pós-covid, abranda, ao mesmo tempo que a taxa de inflação, que já estava ao nível mais elevado das últimas décadas, acelera ainda mais.

Os receios de entrada em estagflação – o termo económico para descrever uma conjuntura em que, em simultâneo, a economia estagna e a taxa de inflação é elevada – estão por isso de volta.

Aumento de custos em Portugal

Os impactos económicos da guerra são sentidos de forma diferente pelos diversos países. Aqueles que estão mais próximos de Rússia e Ucrânia são, pelo facto de terem relações comerciais mais fortes com esses países, os que sentem impactos diretos mais significativos.

Por isso, dentro da Europa, Portugal acaba por estar no grupo com impactos mais moderados. Embora setores como o do vinho ou da cortiça tenham um número significativo de clientes na Ucrânia e na Rússia, o peso destes países nas exportações portuguesas é relativamente pequeno.

O problema para Portugal vem por outra via — a do aumento de custos que deverá ser sentido pelas famílias, pelas empresas e pelo Estado.

O preço do petróleo está, há já várias semanas, a disparar. As sanções aplicadas pelos EUA e pela Europa não incluem, para já, um bloqueio das exportações de petróleo da Rússia, um dos principais produtores mundiais, mas a expectativa de que, com o conflito a prolongar-se, tal possa acontecer faz com que o barril de crude esteja cada vez mais caro.

Na manhã desta segunda-feira chegou a atingir os 139 dólares, mais 18% do que o fecho da passada sexta-feira, depois de Anthony Blinken, secretário de Estado dos EUA, ter afirmado estar “ativamente a discutir com os aliados europeus a proibição de importação de petróleo russo”.

O preço acabaria, algumas horas mais tarde por recuar, depois de o chanceler alemão Olaf Sholz ter acalmado os mercados ao afirmar que a Europa ainda não está pronta para abdicar do petróleo russo.

Ainda assim, o barril de petróleo mantém-se acima dos 120 dólares e sem dar sinais de poder baixar desse patamar, o que conduzirá inevitavelmente à subida dos preços dos combustíveis que empresas e famílias consomem em todo o mundo.

O impacto foi já sentido esta segunda-feira em Portugal, com a subida drástica do preço de gasóleo e gasolina e, tendo em conta o habitual desfasamento de tempo que existe entre as variações dos preços no mercado petrolífero e nos postos de abastecimento, deverá acentuar-se nas próximas semanas.

Mas não será somente nos combustíveis que se irão sentir os reflexos de um petróleo e de um gás natural mais caros.

Primeiro, uma subida das tarifas de eletricidade, mesmo que não tão imediata e drástica como a dos combustíveis, também está já no horizonte, uma vez que o custo associado a essas matérias-primas contribui para a definição da tarifa.

Depois, dado que os custos da energia representam uma parte importante dos custos assumidos pela generalidade das empresas na produção de bens e no fornecimento de serviços, é também inevitável que estas comecem muito brevemente a subir também os preços exigidos aos seus clientes.

Isso irá acontecer, não só nas empresas nacionais como nas estrangeiras, agravando a inflação, quer dos bens e serviços produzidos domesticamente, quer dos importados.

Em relação à atividade económica, este aumento de custos, pelo que representa para o poder de compra dos portugueses e para as margens de lucro das empresas, tem tudo para travar a tendência de recuperação a que se vinha assistindo nos últimos meses na economia portuguesa.

Este fenómeno, ainda para mais, junta-se ao impacto negativo que um aumento da incerteza tem no investimento e no consumo e torna mais grave o contágio que a economia portuguesa sempre sente quando se verifica um abrandamento económico a nível mundial e, especialmente, a nível europeu.

É por isso que João Borges de Assunção, diretor do NECEP – Católica Lisbon Forecasting Lab, assume que, para Portugal, “a variação do PIB em 2022 terá de ser revista em baixa e a inflação em alta”.

A dimensão dessa revisão, diz, “depende da gravidade e duração da guerra que a Rússia está a conduzir na Ucrânia”.

O ministro das Finanças, João Leão, também ele, já assumiu que a previsão de crescimento com que o Governo estava a trabalhar para este ano (previu uma variação do PIB de 5,5% e tinha, em janeiro, colocado a hipótese de um valor mais alto) poder afinal não se vir a concretizar devido aos impactos do conflito na Ucrânia.

Dilema para o BCE

A resposta da política económica a esta nova conjuntura revela-se complicada, numa altura em que as economias ainda estão a tentar solidificar a saída da crise criada pela pandemia.

A nível orçamental, os Estados podem ser chamados mais uma vez a intervir, desta vez através essencialmente da mitigação dos custos da energia para as famílias e as empresas.

Isto faz com que, num cenário de abrandamento da economia, se possa assistir também a uma revisão em alta dos défices.

Neste cenário, para Portugal e para os restantes países europeus, pode ser importante a abertura já revelada a nível europeu para adiar por mais um ano o regresso da aplicação das regras orçamentais europeias.

Ao nível da política monetária, a situação é ainda mais complexa. O surgimento de um fenómeno de estagflação na zona euro passou a ser, mais do que antes da guerra, um cenário com alguma probabilidade de acontecer e isso cria um dilema para os responsáveis pela definição da política económica do Banco Central Europeu (BCE).

Perante sinais de abrandamento da economia da zona euro, podem sentir a necessidade de atrasar a retirada das políticas extraordinárias de estímulo lançadas durante a pandemia, mas ao fazerem isso arriscam-se a perder definitivamente o controlo sobre uma inflação, que em vez de começar a descer este ano, poderá afinal subir por causa da guerra.

Ao longo da história, as dificuldades dos bancos centrais em enfrentarem a estagflação foram evidentes.

No final dos anos 1970, acabaram, principalmente nos EUA, por terem de subir as taxas de juro para níveis muito elevados para controlar a inflação, lançando em contrapartida a economia para uma recessão profunda.

Na próxima quinta-feira, na conferência de imprensa em que se esperava ver Christine Lagarde a anunciar como é que o BCE planeava retirar os apoios que ofereceu à economia durante a pandemia, irá afinal começar-se a perceber como é que a autoridade monetária da zona euro pensa enfrentar o novo cenário de crescimento lento com inflação cada vez mais alta.

ZAP //

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2 Comments

  1. Quem acredita não ser gado para os ricos comerem, ou está a enganar-se a si próprio, ou é um deles. Dividir para conquistar, é a arma que usam desde sempre.

  2. O Governo podia resolver grande parte do problema se reduzisse o ISP. A base do imposto vai aumentar imenso. Mantendo a taxa, o governo vai arrecadar um montante muito superior ao previsto inicialmente neste imposto. Logo, tinha todas as condições, e mesmo a obrigação moral de o fazer. Não faz porque não quer (já sei que vêm com a desculpa que isso teria de ir à Assembleia que ainda não tomou posse). E ao não fazê-lo vai repercutir esse aumento nos bolsos dos portugueses diretamente nos postos de combustíveis e indiretamente através do aumento de tudo (alimentação, …).

    Haja vergonha! Continuo sem compreender como é que esta gente teve maioria. Só se explica por vivermos num país em que a grande maioria não se informa ou apenas o faz no facebook. Depois dá nisto.

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