Novo circuito que funciona a água pode transformar a computação

Uma equipa de físicos desenvolveu com sucesso um circuito iónico — um processador baseado nos movimentos de átomos e moléculas carregados numa solução aquosa, em vez de eletrões num semicondutor sólido.

De acordo com os investigadores, este tipo de circuito está mais próximo da forma como o cérebro transporta a informação, fazendo assim com que o dispositivo se possa tornar o próximo passo em frente na computação semelhante ao cérebro.

“Circuitos iónicos em soluções aquosas procuram utilizar iões como portadores de carga para o processamento de sinais”, escreve a equipa de investigação, liderada por Woo-Bin Jung, físico de Harvard, e John A. Paulson, também físico, mas da School of Engineering and Applied Sciences (SEAS). Os resultados do estudo foram publicados a 23 de agosto, na Advanced Materials.

“Aqui, relatamos um circuito iónico aquoso. Esta demonstração do circuito iónico funcional capaz de computação analógica é um passo em direção a um circuito iónico aquoso mais sofisticado”, sublinham os autores do estudo.

Uma parte importante da transmissão de sinal no cérebro é o movimento de moléculas carregadas — chamadas iões — através de um meio líquido. Embora o incrível poder de processamento do cérebro seja extremamente difícil de replicar, os cientistas pensaram que um sistema semelhante poderia ser utilizado para a computação: empurrando iões através de uma solução aquosa.

Isto seria mais lento do que a computação convencional, baseada em silício, mas pode ter algumas vantagens interessantes. Por exemplo, os iões podem ser criados a partir de uma vasta gama de moléculas, cada uma com propriedades diferentes, que poderiam ser exploradas de formas diferentes.

Para mostrar que este método funciona, os investigadores têm estado a trabalhar. O primeiro passo foi conceber um transístor iónico funcional, um dispositivo que muda ou impulsiona um sinal. O seu avanço mais recente envolveu a combinação de centenas desses transístores para trabalharem em conjunto como um circuito iónico.

O transístor consiste num arranjo de elétrodos “bullseye”, com um pequeno elétrodo em forma de disco no centro e dois elétrodos de anel concêntrico à sua volta. Este interage com uma solução aquosa de moléculas de quinona.

Woo-Bin Jung / Harvard / SEAS

O circuito iónico, com a matriz de transístores no centro.

Uma voltagem aplicada ao disco central gera uma corrente de iões de hidrogénio na solução de quinona. Entretanto, os dois elétrodos de anel modulam o pH da solução, aumentando ou diminuindo a corrente iónica.

Este transístor realiza uma multiplicação física de um parâmetro de “peso”, definido pelo par de anéis de vedação com a tensão do disco, produzindo uma resposta como a corrente iónica, avança a Science Alert.

Contudo, as redes neurais dependem fortemente de uma operação matemática chamada multiplicação matricial, que envolve múltiplas multiplicações.

Assim, a equipa concebeu 16 por 16 matrizes dos seus transístores, cada uma capaz de multiplicação aritmética, para produzir um circuito iónico que pode realizar a multiplicação matricial.

“A multiplicação matricial é o cálculo que mais prevalecente nas redes neurais para a inteligência artificial”, salienta Jung. “O nosso circuito iónico efetua a multiplicação matricial na água de uma forma análoga que se baseia totalmente em maquinaria eletroquímica”, acrescenta o investigador.

Existem, no entanto, limitações significativas à tecnologia. As 16 correntes não podem ser resolvidas separadamente, o que significa que a operação teve de ser executada sequencialmente e não concomitantemente, o que atrasou uma tecnologia já relativamente lenta.

No entanto, o seu sucesso é um passo em direção a uma computação iónica mais sofisticada: só vendo o problema é que podemos encontrar soluções.

O passo seguinte será introduzir uma gama mais ampla de moléculas no sistema, para ver se isso permite que o circuito processe informação mais complexa.

“Até agora, utilizámos apenas três a quatro espécies iónicas, tais como os iões de hidrogénio e quinona, para permitir o transporte do portão e iónico no transístor iónico aquoso”, sublinha o investigador.

“Será muito interessante empregar espécies iónicas mais diversas e ver como podemos explorá-las para enriquecer o conteúdo da informação a ser processada”, acrescenta ainda Jung.

O objetivo final, de acordo com a equipa, não é competir com ou substituir a eletrónica por iónica, mas sim complementar, talvez sob a forma de tecnologia híbrida com as capacidades de ambos.

Alice Carqueja, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.